quarta-feira, 23 de maio de 2018

Hervé Vilard - Pour toi ce n'était rien (Domenico Modugno - La lontananza)

HERVÉ VILARD CANTA: POUR TOI CE N´ETAIT RIEN - 1982

HERVÉ VILARD CANTA: ON LAISSE TOUJOURS QUELQU´UN DERRIÈRE SOI

HERVÉ VILARD CANTA: LE PIRE ET LE MEILLEUR

Herve Vilard ( Le Pire et Le Meilleur / Tyros 5 )

Hervé Vilard - Reviens

Juan Pardo No Me Halbes

Albert Hammond - Echame A Mi La Culpa

Donde estan tus ojos negros SANTABARBARA video con letra

Se llamaba Charly - Santa Bárbara.wmv

Danny Daniel - El amor el amor

Danny Daniel Siempre mañana 1973

Grégory Lemarchal - Je Rêve

Grégory Lemarchal - De temps en temps

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Enrico Macias - Concert live a Jerusalem 05 2008

Enrico Macias - A Solenzara

HOMENAGEM A ENID BLYTON


Aqui fica a minha homenagem sentida

A Enid Blyton e seus livros juvenis:


Leituras de Outrora

Mistérios, aventuras, enigmas por desvendar…
Mensagens por decifrar… Casas com coisas estranhas, personagens excitantes ou desconfiadas… Segredos…
Recordo com saudade e revejo tantos livros, desses que li, com que me empolguei e envolvi…
Ainda hoje brilham de prazer os olhos dos miúdos que os podem ler…
Enid Blyton os escrevia, e a criançada aplaudia…
E quando surgiam as trapalhadas, que gostosas gargalhadas!
São gratas essas lembranças que se guardam com um sorriso, num cantinho
do coração!

Nely, 2018 

do meu livro de Prosas Poéticas "Vibrações"


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Conto: O MENDIGO




O MENDIGO


Há casos, neste mundo, que são verdadeiras singularidades... Ou, se quiserem, podemos chamar-lhes prodígios. Bons ou maus? Cabe a cada um, que deles ouve falar, o ajuizar a esse respeito... Certo, é que eles são contados, porque certamente, ocorrem... E, para ajuizar, é como diz o nosso povo: “cada cabeça, sua sentença”!
Por mim, posso dizer que há realmente histórias que nos são contadas e que nos deixam a pensar: Serão verídicas? Serão fruto da fantasia de quem no-las contou? Algumas histórias foram-me, durante a minha vida, contadas, com toda a sinceridade, pelas pessoas a quem elas sucederam, ou no caso de outras, pelas pessoas que delas ouviram falar...
Com este preâmbulo, passo a contar-vos algo que a mim me foi transmitido pela pessoa a quem isso ocorreu. Conto-o, por encontrar bastante singularidade no seu conteúdo.
Numa vilazinha dos arredores da Nazaré, vivia alguém que cedo começou a ter dificuldades na vida. Essa pessoa, é ainda hoje, considerada por mim como fazendo parte do rol das minhas verdadeiras amizades. Há muitos anos, porém, que não a vejo, nem consigo saber nada a seu respeito. Contou-me, ela própria, a pequena história que me propûs, por minha vez, contar-vos. Protegerei, no entanto, a sua verdadeira identidade, trocando-lhe o nome, como é lógico. Dar-lhe-ei o nome de Júlia.
D. Júlia era uma pessoa de origem humilde. Vivia numa casa térrea, pertencente à sua família.  Ela era jovem, quando lhe sucedeu aquilo que, muitos anos volvidos, me narrou. Os tempos eram difíceis, naquela época. Tempos da Segunda Guerra Mundial. Essa guerra afectou de muitas formas vários países da Europa. O nosso país também sofreu com isso, embora não participasse na guerra directamente. Contam os mais velhos que passaram muitas privações, devidas ao racionamento, à escassez de alimentos básicos, e de várias outras coisas, que deixaram de se encontrar no comércio.
Estando D. Júlia, certo dia, em sua casa, cuidando de seus afazeres, bateram-lhe à porta. Quem seria? Ela não costumava receber visitas... Ela foi, no entanto, de imediato, abrir a porta, saber do que se tratava.
Deparou-se com um homem ainda jovem, de aspecto pobre, mas limpo. O seu cabelo escuro era comprido e liso, como se fosse o de um hippie. Mas o desconhecido envergava roupas masculinas de uso corrente, como todos os homens que se viam naquela época. Usava barba, era ligeiramente moreno, olhos escuros. Olhou-a nos olhos, com ar humilde. O seu rosto pareceu um pouco familiar a Júlia. Ele falou, de modo simples, mas directo, e educadamente:
- Bom dia, minha senhora! Desculpe-me por incomodá-la. A senhora poderia ter a bondade de me dar algo de comer?
Júlia, que o olhava, também de modo franco e sincero, disse-lhe:
Bom dia! Dê-me só um minuto, se faz favor!
Dizendo isto, virou-se, e dirigiu-se para dentro de casa. A porta que manteve aberta dava para um largo compartimento que servia de sala e cozinha em simultâneo. Havia ali uma mesa e algumas cadeiras, provando ser esta um local de refeições. Júlia, de modo rápido, apanhou de sobre a mesa as duas únicas coisas que de que dispunha como recursos para esse dia: um bocado de pão e uma moeda de baixo valor. Nada mais tinha disponível.  Com essas duas coisas, dirigiu-se de novo  ao pedinte que ali ficara à porta.
- Só tenho este bocado de pão, e esta moeda. Qual destas duas coisas prefere o senhor que lhe dê?
-Minha senhora- respondeu o desconhecido, continuando a olhá-la directamente nos olhos, e com aquele seu jeito humilde de falar - quem pede não escolhe.
Júlia deu-lhe então a moeda. Ele agradeceu. Virou então costas e foi embora.
Júlia fechou a porta, regressando ao interior de sua casa. Ao pousar sobre a mesa o pedaço de pão, algo lhe chamou a atenção: sobre a mesa havia outra moeda, no mesmo lugar, precisamente, de onde ela apanhara a primeira, que acabara de entregar à mão do mendigo, como esmola.
Estando ela sozinha em casa, ninguém poderia ter posto, entretanto, nova moeda sobre a mesa. E ninguém havia presenciado aquela ocorrência... Júlia não queria acreditar naquilo que via... Como poderia estar ali aquela moeda, agora, se ela tinha a certeza de não ter mais nenhuma, e acabara de dar a única que possuía àquele mendigo?
Correndo, voltou à porta e abriu-a. Olhou lá para fora. Não havia ninguém na rua... Correu até à esquina. Ninguém ali, e nem ao longe, sequer...  Olhou para todos os lados. A rua, porém, estava completamente deserta!
Júlia voltou segunda vez para dentro, fechando de novo a porta. A moeda continuava ali, sobre a mesa. Não era uma alucinação!  Boquiaberta, apanhou a moeda, virou-a e revirou-a na mão. Era real! Voltou, pensativa, aos afazeres que interrompera... Não deixava, porém, de pensar no sucedido... Nunca lhe havia aconcedido algo assim antes! E outra coisa: quem era aquele homem? Pobre de aspecto, mas tão educado, e com um falar tão humilde quanto gentil... Tão sincero naquele olhar directo, mas ao mesmo tempo, penetrante... O seu rosto parecera-lhe, além disso, um tanto familiar...  Mas como? Se nunca estivera com ele antes, nem o vira ali, pela vila? Tê-lo-ia visto na rua, ou cruzado com ele alguma vez? Não se lembrava de tal coisa! E porque voltara a moeda a aparecer sobre a mesa? Mistério!  Depois de muito matutar  sobre isso, dirigiu-se ao seu quarto. No corredor que lhe dava acesso, havia um quadro, numa das paredes, representando Jesus. Era um daqueles quadros muito populares entre o povo português daquela época. Júlia olhou para o quadro. Jesus parecia estar a olhar específica e directamente para ela, naquele momento. Então, Júlia compenetrou-se do seguinte: o olhar d’Ele, retratado naquele quadro, era exactamente o mesmo, assim como a expressão de todo o seu rosto, ao que ela captara no rosto e no olhar do mendigo desconhecido que ali estivera à sua porta, momentos antes! Até a barba e o cabelo comprido, eram iguais, do mesmo tamanho, da mesma côr! Espantada, olhava sem cessar o quadro, e julgou compreender então: Jesus visitara-a, aparecera-lhe  dessa forma singular! Ele pusera-à prova! E devolvera-lhe, de modo milagroso, a moeda que ela lhe entregara! Essa só havia servido para testá-la!  Pois, para que precisaria Jesus do seu tão pouco e único dinheiro? Se Ele era Deus! Júlia acabara, isso sim, de assistir a um milagre!
Ao longo da sua vida, sucederam a Júlia  outras ocorrências de teor extraordinário, dentro do que se podem também considerar prodígios, e dos quais ela me contou, noutras ocasiões , algumas, semelhantes a esta que aqui vos deixo. Inclusive, ela veio a descobrir, algum tempo depois, que era “médium”. E então, ainda mais se convenceu de que Deus permitia que lhe sucedessem, ou que presenciasse, factos não comuns, para com eles lhe transmitir algo, a cada vez.
 O certo é que a minha amiga, a “D. Júlia”, nunca mais esqueceu aquele encontro, com aquele pedinte tão singular, nem a sua frase: “Quem pede não escolhe!”...
Grande verdade!
E ela ficou doravante convencida de que esse pedinte era, de facto,  o próprio Senhor Jesus Cristo!

FIM


Nely, 1 de Fevereiro de 2018

( Do meu livro de Contos Portugueses "Transcendências")


sábado, 27 de janeiro de 2018

Jose Luis Rodriguez: Dueño de nada

CARLOS CANO "MARÍA LA PORTUGUESA"

Crónica minha:"Universos", do meu livro de Crónicas "Vivências"



1

UNIVERSOS

Existem vários universos, dentro do Universo pessoal de cada um de nós. Universos às vezes limitados, pelos nossas próprias limitações, ou pelas que nos são impostas por outrem, quer queiramos ou não… São universos concêntricos, cujo centro, muitas vezes, são os ambientes em que estamos habituados a mover-nos, e a viver.
Porque nos limitamos a esses espaços tão restritivos de vida? Porque deixamos que o dia-a-dia, a vida quotidiana, nos envolva, e nos prenda num laço que nos faz reduzir o ambiente vital?
As companhias que nos cercam, os lugares em que nos movemos, os afazeres, ou a falta deles, prestam-se, frequentemente a tais limitações. As quais nos apertam, a pouco e pouco, quais grades de uma prisão, ou quais garrotes que sustêm, a custo, a nossa energia vital e a restringem, a pouco e pouco.
Gradualmente, essa prisão aperta-se à nossa volta, sufocando anseios, roubando os nossos sonhos, travando os nossos impulsos.
Até que, tão sufocados ficamos, e manietados, de tal forma que, ou tomamos consciência do que nos acontece e lutamos, como quem tenta não se afogar, ou soçobramos e somos mergulhados a pique em estados de ânimo que roçam a letargia, a inércia, o aniquilamento da vontade e do carácter.
Então, é que o benfazejo ‘regresso as origens’ de cada um de nós, ou sucede, ou nunca sucederá … Depende de cada um de nós!
Depende da força de vontade em remar contra a maré opositora, na contra-corrente.
Depende da consciencialização de cada qual, para as limitações que o tolhem, mas com o olhar crítico e analítico de quem pretende mudar de rumo, quebrar correntes, romper amarras.
De quem pretende voltar a ser livre, ou sê-lo, inclusive, por primeira vez, na vida!
Quando conseguimos esse feito, a liberdade (re) adquirida dá-nos a força para seguir em frente, e alargar os horizontes, pôr o barco no mar e içar as velas.
Então, podemos descobrir que existem imensos, diversos, e variados universos, por explorar, dentro do Universo…
E que a Vida é uma aventura infinita, que começou là longe, no passado, mas cujos percursos infindáveis, e de múltiplas possibilidades, estão ao nosso redor, à nossa frente, à nossa espera… Sem limitações!
9/09/ 2014
Nely


Conto: O Castelo Soturno

O CASTELO SOTURNO
Gilda Barsotti herdara o palácio da sua madrinha, poucos meses depois de casar com Gustave Leclerc. O antigo palácio erguia-se no ermo de uma pequena elevação, perto de algumas pequenas aldeias, no meio de uma região montanhosa, com a estrutura tradicional de um castelo, e rodeado por altos muros. Em volta desse palácio, erguiam-se várias árvores, formando um pequeno bosque, que, com o tempo, e por essas árvores não serem nunca cortadas, se tinha ido adensando, tornando quase impossível a passagem a quem quisesse chegar perto desse  castelo. Os arbustos autóctones também tinham ali crescido de modo selvagem, formando um emaranhado difícil de transpôr.
 Quando Gilda visitara a casa, depois de a herdar, e passados tantos anos, desde a única vez que lá fora com os pais, na sua tenra infância, tivera que rodear pacientemente todo aquele arvoredo compacto, para conseguir, finalmente, encontrar uma estradinha, quase inexistente, que se lembrava vagamente de lá existir. E assim conseguiu ter, finalmente, acesso ao antigo portão com o brasão nobre e familiar da falecida madrinha. Esta não deixara descendência e visto que era viúva,  deixara em testamento esse legado importante à sua afilhada, a quem muito quisera. E também a sua bela fortuna.
O antigo palácio tinha muito recheio: móveis antigos, loiças, quadros, uma antiga biblioteca, bastante fornecida, e muitas outras coisas de valor...
O esposo de Gilda era um oficial do Exército, de famílias abastadas, de ascendência francesa. Loiro e de bigode, pele muito branca e olhos azuis. Cabelos curtos e lisos, com uma franja que lhe cobria a testa até aos olhos. Alto e de constituição atlética. Estava quase sempre ausente de casa, por motivos da sua vida de militar.  Gilda era ruiva, de cabelos avermelhados, compridos e de abundantes caracóis, penteados de forma extravagante, luzindo quase sempre neles fiadas de jóias. Excêntrica no vestir, Gilda adorava envergar vestidos com modelos de outras épocas passadas, e de cores muito vivas, descobertos em alguns dos baús existentes no palácio. Ou então, copiados desses antigos modelos, como os denominados por “Império”. Inspirava-se para tal em retratos antigos e tentava imitar as damas desses retratos, encontrados em velhos livros, em museus, ou ainda, os que existiam no palácio, e eram pertencentes a antepassadas da sua madrinha. Ambos os esposos eram jovens, conheciam-se desde havia muitos anos, uma vez que as respectivas famílias eram amigas. Aquele casamento foi feito por conveniência de ambas as famílias, sem oposição dos filhos, que se davam muito bem, como amigos de infância que eram.  Quando Gilda propôs a Gustave aproveitar o antigo palácio acastelado e habitá-lo, ele concordou logo e plenamente com essa ideia, uma vez que a nova fortuna de sua noiva permitiria fazer no castelo as obras necessárias, para voltar a torná-lo habitável. Gilda dedicava-se a escrever romances policiais, e isso a ocupava bastante, na ausência do esposo. Recebia constantes visitas de alguns amigos e amigas que apreciavam o seu  convívio. Nunca estava totalmente só. Munira-se também de alguns empregados, que se ocupavam da limpeza, arrumação e manutenção da antiga habitação, ou preparavam as refeições de todos. Nas aldeias mais próximas, falava-se muito das mudanças que ali decorriam: Um corre-corre de gente a entrar e sair do castelo, a todas as horas... obras em curso... máquinas... motores a fazer barulho, incessantemente, perturbando a silenciosa e habitual paz da localidade. Carros, carrinhas, camiões... andaimes... Poucos meses depois, o antigo castelo parecia ter recuperado a sua antiga e primitiva glória... A estradinha de acesso, até ali quase oculta pelo emaranhado de arbustos e árvores em crescimento desordenado, fora, finalmente, desimpedida, afim de facilitar aos veículos o acesso ao grande portão brasonado dos antigos condes de Sor-D’Enn-Irr. O que não sabiam os curiosos, porque Gilda pedira o sigilo de todos quantos lá entravam - caso contrário, seriam despedidos - era que, de antigo, o castelo já só tinha, praticamente, o exterior, e algumas divisões... as restantes partes tinham sido modernizadas por completo... A extensa cave havia sido convertida em adega muito bem fornecida. No rés-do-chão, a cozinha, de apetrechos modernos, mas disfarçados com mobiliário com aspecto rústico, permitia preparar e conservar tudo o que lá se cozinhasse. A sala de refeições era também ela rústica, mas espaçosa, confortável, e com uma majestosa lareira, constantemente fornecida de boa lenha, e que estava sempre em funcionamento nos meses frios. Aquecimento moderno havia sido instalado nos vários salões e  quartos, quer dos donos e patrões, quer dos empregados, embora os mais luxuosos conservassem também as antigas lareiras lá construídas, por uma questão de decoração. Casas de banho vastas e  luxuosas, havia duas em cada piso. Cada uma delas numa extremidade do corredor que percorria a casa. Tudo do mais engenhoso e confortável possível. Havia, ao todo, três andares, contando com o sótão. Mas os curiosos das aldeias em redor não percebiam nada, nem sabiam nada a esse respeito...
O que o povo, com base em mexericos, dizia e contava: Durante anos, a propriedade estivera fechada e diziam-na assombrada... Coisas muito estranhas sucediam, desde há muito, naquele local... O bosque, em volta dessa propriedade, era propício aos sustos: qualquer malfeitor poder-se-ia ali esconder, pois era denso, cerrado, escuro. Impressionava e causava arrepios, medo... Uma vez, vários anos antes, alguém se lembrou de rondar o velho bosque à noite... Em má hora penetrou, com dificuldade, entre o denso arvoredo, que, durante muito  tempo, fora deixado inteiramente ao deus-dará, pelo desleixo... Era noite bem cerrada, quando o curioso afoito foi entrando trabalhosamente pelo bosque adentro... Estava quase a chegar ao portão, quando ouviu um grito lúgubre e prolongado, como uma queixa, ou um uivo, mas tão alto e sinistro, que arrepiava os cabelos e deixaria qualquer um hirto de pavor... O coitado não conseguiu distinguir nada mais, que os raios fracos da lua, por entre os ramos das árvores...  e uma luz fraca, errante, que aparecia e desaparecia, como se alguém andasse a fazer sinais no escuro com uma pequena lanterna de bolso... A pessoa fugiu como pôde, estrebuchando e benzendo-se, enquanto o tal pavoroso grito se voltava a  ouvir por segunda vez ... ruídos de batidas de asas se fizeram ouvir, e morcegos espantados surgiram por entre os ramos mais altos que ele podia distinguir, na sua atrapalhada fuga... Mal conseguira sair do bosque, o pobre aldeão correra, com quanta força ainda tinha, sem sequer se virar, e nunca mais quisera voltar por aquelas bandas... Alguém lançou, por isso, o boato, na aldeia, pouco depois dessa ocorrência, de que uma alma penada andava por ali... Dizia-se, também, para além disso, que um certo homem quase havia sido morto, havia muito tempo, por vultos de monstros, que arreganhavam os dentes no escuro... Ainda por cima, e segundo constava, havia por ali cães selvagens e ferozes, ou talvez lobos, que bem os haviam ouvido uivar mais que uma vez... Tudo o que era contado era aumentado, e deturpado de tal sorte, que se haviam criado vários mitos urbanos, e arrepiantes lendas, na base desses acontecimentos mórbidos.
De uma outra vez, anos mais tarde, eram dois rapazotes atrevidos que haviam marcado encontro à beira do bosque com as namoradas... Os quatro jovens começaram a ver sombras a mover-se por entre as árvores e  a ouvir umas gargalhadas sinistras, como de loucos à solta, e  que soaram bem alto... As moças debandaram logo, apavoradas, pela estrada fora, e os rapazes com elas, enxofrados com o sucedido e frustrados com os encontros estragados... E muitos mais casos eram contados, cada qual pior que os anteriores.
  Gilda ria-se dessas histórias, quando lhe vinham ter aos ouvidos. O seu espírito retorcido fazia-a aproveitar-se da mentalidade simplória dos curiosos que via, pela janela, rondar o portão, ou tentando em vão trepar os espessos muros que rodeavam a propriedade. Ela ria-se a bom rir dos sustos que os aldeões curiosos ainda apanhavam presentemente, ao rondar a sua faustosa habitação. E Gilda divertia-se também a mistificar aqueles aldeões, que achava engraçados, mas demasiado curiosos, demasiado crédulos, mas sobretudo, indesejáveis e incomodativos... Uns bons sustos pregados a essa gente pacóvia, e o manter das arrepiantes lendas intactas ou ampliadas, eram-lhe  a ela essenciais, para manter a sua própria paz.  Ela mesma gostava de mencionar, a quem a ouvia, que o castelo era assombrado, que havia fantasmas, nas caves, e na velha torre do lado esquerdo do castelo... Sabia que sempre eram transmitidas lá fora essas coisas que ela dizia, propositadamente, mas com ar de quem cria em tudo isso.
O tempo ia passando, e Gilda alimentava esses mexericos, e divertia-se escrevendo histórias que poderiam aterrorizar qualquer daqueles aldeões, se as lessem! Gilda deu por si, entretanto, a esperar um filho. Como estava quase sempre acompanhada, e sempre tinha transporte próprio, ou alheio, para deslocar-se, saíu todas as vezes que pôde e comprou tudo quanto lhe pareceu necessário para o bébé. A gravidez decorreu sem problemas. Felizmente, o esposo estava presente quando a criança foi posta no mundo, no próprio solar, com a ajuda de um médico especialista e de uma parteira diplomada. Gilda, apesar de excêntrica em certas coisas, era uma mulher  moderna, e havia tratado de tudo para ter o seu filho dentro de água, numa pequena banheira portátil e apropriada, depositada no seu próprio quarto, apetrechado com tudo o que lhe fazia falta.... Convinha-lhe pessoalmente esse tipo de parto que estava na moda e era muito gabado por especialistas e por quem já o havia vivido pessoalmente. O pequeno Lino veio, portanto, a nascer num ambiente calmo, sereno, de luminosidade atenuada, numa transição suave do ambiente morno  e líquido do interior do ventre materno para o ambiente tépido da água da pequena banheira, num quarto acolhedor: Ali não havia ruído algum, e a temperatura do ambiente era amena.
O tempo foi passando. Lino crescia normalmente, como qualquer criança de boa saúde, cuidado com o máximo desvelo, desde o princípio, por uma ama escrupulosa e meiga. Mas, um dia, era ainda Lino muito pequeno, a ama ameaçou que iria embora, recusando-se a continuar ali. Estava farta, cansada do ambiente estranho daquele castelo, cheio de comodidades e modernismos, mas, no entender dela, inóspito. E manifestou, logo que pôde, o seu intuito de sair dali, à sua patroa:
- Senhora Dona Gilda, preciso dizer-lhe algo muito importante, algo de muito grave: Saiba a Senhora que já não suporto mais ficar aqui! Por minha vontade, não fico nem mais uma hora! E já fiquei demasiado tempo! A Senhora desculpe, mas tenho de ir embora! Antes que eu dê em doida aqui dentro!
- Dar em doida, Amely? Então, porquê? Que se passa?
- Sem pretender ofendê-la, Senhora Dona Gilda, acaso a Senhora não sabe que a sua propriedade está assombrada? Sabe, certamente, porque a Senhora o afirma também! Por amor de Deus!
- Isso são tretas, que eu às vezes digo, para fazer chegar o boato às pessoas lá de fora, que são umas intrometidas, umas cuscas e ignorantes... Mas só digo isso para as manter longe da propriedade, apenas! Ou senão, não paravam de rondar, e querer cobiçar o castelo e o seu conteúdo! Quero e necessito que haja sossego e paz por aqui! Tanto para mim, quanto para o meu esposo e o meu filho, e para além deles, para os meus empregados e meus amigos que cá vêem! Se não fosse assim, esses aldeões e outros curiosos, andariam por aí, a enfiar-se pelo bosque adentro, saltavam os muros, vinham para aqui cuscar e, quem sabe, se não se atreveriam a vir roubar, também?- Respondeu-lhe Gilda, calmamente.
- A Senhora pode agir e pensar assim, e não está mal pensado, não! Mas eu é que sei o que sinto, vejo e oiço neste  castelo, a Senhora desculpe-me a franqueza! Oiço barulhos bastante estranhos, quer de dia, quer de noite... E fui abordada, ontem à tarde,  por um sujeito suspeito, que diz ser o verdadeiro dono desta casa, surgido de repente, na minha presença, na biblioteca... Metia medo o tal fulano...
- Ah! Falas do meu parente, o conde, certamente? Sim, ele vive aqui desde há muitos anos! Mas ele nunca te fará mal! É um bocado excêntrico, apenas! E isso, para quem não o conhece, pode impressionar um bocado!  Falarei com ele, hoje mesmo! Eu preciso que cuides do meu menino, Amely! Não posso passar sem os teus serviços! Nem vou, agora, confiar o meu menino a outras pessoas, a que ele não esteja habituado! Isso seria perturbador para ele! Vou tratar de providenciar que ninguém te incomode, que tudo o que possa andar a perturbar-te a ti mesma cesse, de imediato!
- Se a Senhora mo propõe assim, fico... Mas espero que esse homem não me venha pregar sustos, de agora em diante!
-Então está combinado! Fica descansada que, mesmo que o encontres, em qualquer parte da casa, ele já não te vai assustar! Garanto-te! É ele quem mantém à distância os curiosos! Tanto ele, como eu, gostamos de afastar curiosos e mal intencionados deste solar! É por causa da presença do conde que o meu esposo  sai mais sossegado a cumprir as suas funções de oficial, sabendo que eu e todos os que aqui moram estão bem guardados, por ele, e não correm perigo! Certamente, o viste trajado de forma a assustar os mirones e atrevidos, quando ele surgiu perto de ti! Creio, no entanto, que ele não pretendesse assustar-te, pois ele sabe, desde o início, da tua existência aqui, e de quem tu és!
-Deve ter sido isso, então! Porque ele realmente se me apresentou como seu parente chegado, co-herdeiro da propriedade, e como sendo o conde de Sor-D’Enn-Irr! Ele também explicou que era o guarda do castelo! Mas que susto que ele me pregou! Com aquelas roupas de cerimónia à antiga, e aquela capa negra! Ufa! Muito agradecida pela sua intervenção, desde já, minha Senhora! Bem-haja!
- Vou já falar com ele e pedir-lhe que tenha cuidado, de hoje em diante, para não te assustar mais! Mas o resto, são só efeitos especiais para assustar gente intrometida. Nunca se sabe quem possa conseguir introduzir-se cá dentro, apesar da vigilância apertada, e dos meios mais modernos de alarme instalados em todo o castelo! Não são coisas destinadas a assustar-te a ti, mas sim a essa gente de fora!    
Entretanto, aquilo que fizera Amely ameaçar de ir embora não eram ilusões: havia de facto, várias aparições na casa de Gilda, e manifestações estranhas, que a haviam assustado e perturbado imenso. Na tarde anterior, ao ir à biblioteca de Gilda, buscar um livro para ler de noite antes de dormir, um palmo de parede se abrira. E aparecera dali um homem com uma capa negra, e  roupas de cerimónia antigas, como ela descrevera, o qual viera de uma passagem secreta, naquele momento à vista,  e que se voltara instantaneamente a fechar. A estranha e misteriosa personagem olhou para Amely, piscou-lhe o olho, com um sorriso maquiavélico, pondo a descoberto belos e uniformes dentes brancos. Parecia ter cerca de quarenta anos bem conservados.  Avançou pausadamente na sua direcção, dizendo em tom jocoso:
 - Ena! Então, o que temos nós aqui? Uma beldade! Quem sois vós? Rodeou-a, admirando-a com olhares cobiçosos. Chegou-se então a ela, e encostou-a a si, acariciando-lhe os fartos cabelos negros e soltos, enquanto Amely tremia visivelmente, com o medo estampado em seu rosto muito pálido e em seus olhos negros. Ele era um misterioso e belo homem, moreno, de olhos verdes e cabelos negros compridos, puxados para trás e seguros por um pequeno laço, à moda antiga. Olhou-a, por fim, seriamente e disse-lhe,  baixando a voz, em tom rouco, mas já sem troçar, virando-a simultaneamente e firmemente para si, de modo a que ficassem frente a frente, e seus olhares convergissem, mas também de forma a que ela não lhe escapasse:
-Por quem sois, bela dama! Não temais! Não pretendo fazer-vos mal algum! Mas eu é que estou, pelo contrário, quase a sucumbir aos vossos encantos! Começo por apresentar-me:  Sou Adalbert Van Larven, conde de Sor-D’Enn-Irr. Sou co-herdeiro deste palácio. Parente chegado da falecida madrinha da vossa patroa, a Senhora Dona Gilda. Graças a mim, podeis todos estar seguros neste solar, pois sou também o guarda deste palácio e dos seus habitantes! Por agora, vou deixar-vos escolher um belo livro, à vossa vontade. Existem aqui muito boas obras, dignas de ser lidas e apreciadas!  Mas encontrar-nos-emos outras vezes, certamente! Até à próxima, bela dama! Desejo-vos sinceramente boas leituras! Que linda e sedutora sois! Fiquei encantado em conhecer-vos pessoalmente!
Dizendo isto, soltou-a a sorrir, piscando-lhe o olho de novo. É claro que o conde sabia perfeitamente quem era Amely, e quais as suas funções no palácio. Mas quisera, no entanto, divertir-se um pouco à sua custa. E ficara realmente seduzido pela insolente beleza dela.
Depois, desapareceu, saindo pela porta da biblioteca, com uma naturalidade espantosa. Amely  ficara sem fala durante todo aquele momento. Nem pudera sequer gritar.
De outra vez, antes disso, ruídos de correntes se fizeram ouvir de noite, no corredor ao lado do seu quarto,  quando ela já se encontrava em sua própria cama, pronta para dormir. Havia ficado com os cabelos eriçados de pavor. E claro que não conseguira sequer fechar os olhos nessa noite.
Mais recentemente, essas manifestações diversas continuavam: uma voz de homem falava, mesmo durante o dia, na ala esquerda da mansão, precisamente em par dos aposentos dela e de Lino, o seu pupilo. Essa voz repetia sempre a mesma frase:
  - Quem nesta casa quiser permanecer, à minha vontade terá de obedecer!
Isto era dito em tom autoritário, mas não muito alto. Mas quando era dito, Amely sentia um frio medonho, glacial, atravessar-lhe o corpo. Isto fora ali  repetido vezes sem conta, durante anos, antes de que qualquer deles ali habitasse. E continuava actualmente. Até que, saturada de tais manifestações que se alternavam e repetiam, ela clamou certa vez:
- Vade retro, Satanás! O sangue de Cristo me cubra!
E ouvira como resposta uma risada escarninha, troando numa voz cavernosa, como que proveniente de um dos quadros  da galeria de retratos por onde ela acabara de passar. Fora então que decidira deixar aquele lugar. Mas acabara por ficar, devido à conversa tida com a patroa, à intervenção desta, e verificando que, embora Adalbert se cruzasse com ela várias vezes, já vinha trajado normalmente, e já não provinha de aberturas de passagens secretas. Também já não a assustava. Pelo contrário, cumprimentava-a, normalmente, e sorria-lhe de modo sedutor. Acabara por se habituar a ele e a conviverem de modo agradável. E ele seduziu-a, por fim.  Tornaram-se mais próximos, e por fim, amantes.
O tempo foi decorrendo, e Lino foi crescendo, como é lógico.
Lino, que era muito atinado  e meigo na presença da ama, e da própria mãe, tinha, no entanto, uma inclinação maquiavélica: Ele próprio atravessava todas as passagens secretas do palácio, que descobrira sem que ninguém lhas assinalasse. Divertia-se a assustar quem ainda, apesar de tudo, se introduzia no bosque em volta do castelo, de noite. Ele conseguia-o emitindo simulacros perfeitos de pios de coruja, que sabia serem bem assustadores para os curiosos que tentavam rondar por ali. Outras vezes, ele próprio, com um bom disfarce, se fazia passar por fantasma, e de gravador a pilhas escondido debaixo da longa capa negra que usava, emitia sons roncos, e fazia piscar uma pequena lanterna de bolso, de maneira que qualquer que ali se aventurasse fugisse, borrado de medo.
Enquanto a mãe o julgava entretido a ler, ou a brincar inocentemente, no seu próprio quarto, Lino, muitas vezes, andava por dentro das várias passagens secretas. Assim descobrira, ele próprio, numa delas, o conde vampiro, que assustara Amely, e fizera amizade com ele, ficando logo a saber que era o seu próprio padrinho. Ambos eram da mesma estirpe.  Compraziam-se no mal. Riam-se dos sustos pregados às pessoas crédulas. Riam-se também dos primeiros sustos de Amely. Os seus risos soavam escarninhos por dentro das paredes, parecendo vir dos retratos de antepassados da madrinha de Gilda. É que Lino também era vampiro, e a mãe sabia-o. Porém, isso não a ralava nada: ela convivia com isso naturalmente. Adorava o filho, e na ausência do marido, entregava-se ela própria àquele parente e conde vampiro que ali vivia, no esconderijo secreto daquele palacio antigo, que era sua morada, desde havia muitos anos. Ela própria, era semi-vampira, e seguia, descontraidamente, vivendo feliz, e escrevendo os seus romances, que tinham um sucesso louco. Seguia vendendo-os, de uma forma fabulosa, e ganhando cada vez mais dinheiro.  O que só ela, o marido e Adalbert sabiam, é que Lino era filho de Adalbert, e não do seu marido, já que este  último passava muito tempo ausente. Além disso, o pai biológico e o filho eram muito parecidos.
Gustave Leclerc sabia perfeitamente que o filho não era seu, porque  ele próprio era homossexual, nunca tocara em Gilda, e acedera a fazer aquele casamento de fachada, por conveniência, com a condição de que Gilda fosse discreta, o que ele também se esforçava por ser. Mantinham, para conveniência de todos, o seu casamento aparente, que parecia autêntico. Mas eram muito amigos, como atrás se disse, e davam-se muito bem. Gilda nascera noutro lugar, mas sendo oriunda  daquela família de vampiros, a quem aquele castelo pertencia, desde havia muitas gerações. Gustave vinha a casa de vez em quando, sempre que tinha licença do Exército para tal.  Conviviam perfeitamente, como amigos.  Divertiam-se com o medo que as pessoas lá fora tinham de sua linda  e faustosa habitação, e do que nela havia. Quando Amely ameaçara ir embora, ela contara tudo a Gustave. Ele achara imensa graça a tudo aquilo. Inclusive, rira, divertido, quando a própria Amely, pouco tempo decorrido, e seduzida por Adalbert, se tornara, por sua vez, amante deste, e vampira, também. Gilda o havia descoberto à socapa, e  haviam rido ambos, divertidos, ao aperceberem-se do caso. Gilda  não se importava com isso. Adalbert podia ter todas amantes que quisesse, que isso não a afectava, pois ele a satisfazia plenamente. Não deixavam de se amar ambos. Ele era, além disso,  um excelente guarda, tanto diurno, como nocturno, e cumpria de modo excelente as suas funções. Adalbert era também um bom conviva para todos, dentro do solar.
E Gilda, em casa, espreitando pela janela, mais do que uma vez, rira a bandeiras despregadas... Fora ela que também mandara instalar e pôr em marcha um moderno  e bem dissimulado sistema de altifalantes, ligados junto aos muros da propriedade, pelo lado de dentro, e que, por sua vez, eram accionados digitalmente do interior da casa, sempre que necessário. Esses altifalantes estavam preparados para difundir esses supostos gritos que gelavam o sangue, esses uivos medonhos, ampliados, e até a gravação de gargalhadas malévolas. De facto, Gilda fizera várias gravações das suas próprias gargalhadas, de acordo com o marido, que a ajudara a isso. E tudo de acordo, também, com Adalbert, que a considerara, desde o ínicio, como uma mulher tão bela quanto inteligente... Gustave divertira-se a valer com tal engenhosidade da esposa, e achava imensa piada à sua maneira escandalosa de rir.
Ele deleitava-se a ouvir a esposa contar-lhe acerca dos sustos que conseguia pregar àquela gente intrometida. De facto, todos eles apreciavam a tranquilidade, e tinham achado essa maneira engenhosa de afastar da sua propriedade os mirones, e oportunistas... Gustave era tão retorcido de espírito quanto Gilda, e ambos riam a bom rir, com coisas que teriam feito arrepiar fosse quem fosse.  Gilda tinha uma imaginação fértil, e já levava um bom palmarés de romances policiais escritos, dos quais o mais recente se havia, em pouco tempo, tornado “best-seller”...
Amely, tornada vampira por Adalbert, era um tanto ciumenta ao princípio. Mas cedo compreendeu que isso não lhe serviria para nada, e que devia acostumar-se a ser a amante  número dois de Adalbert. Que ela própria nada perdia com isso, pois mesmo assim, ele a tornava uma mulher feliz. Acabara, finalmente, por adquirir a mesma mentalidade que os outros membros da família, por adaptar-se àquele ambiente e por divertir-se também.
E assim vivia essa familia, tão peculiar, e em que todos tinham uma inclinação tão divertida quanto malévola...
Já se passaram vários anos... Gilda e Amely continuam belas e jovens, segundo dizem os seus conhecidos, que as visitam frequentemente ... Gustave veio a falecer numa batalha, defendendo a sua pátria, há alguns anos. Mas Adalbert continua o mesmo homem de aspecto jovem e sedutor. Lino cresceu, tornando-se um jovem muito semelhante ao pai biológico... O seu espírito malévolo e trocista compraz-se em continuar a assustar os curiosos... Dizem os seus poucos amigos que ele arranjou uma noiva parecida com a sua própria mãe, e que também adora o tipo de livros escritos por Gilda... A propriedade continua a ser mantida em bom estado e com bastante e moderna vigilância... Deixemo-los continuar com a sua vida tranquila... de vampiros imortais, bem-dispostos e bons viventes, enquanto, ao redor do castelo, é perigoso rondar, à noite: ainda se ouvem por ali uivos e lamentos...

FIM

Nely,
Janeiro 2018.


quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

"Explode Coração", por Maria Bethânia

MARIA BETANIA GRITO DE ALERTA

Maria Bethânia -Tá Combinado

Conto: Valeu A Pena Esperar

A felicidade é a espera, a espera feliz, a confiança, é um horizonte cheio de esperança, é o sonho !” - Guy de Maupassant
7
VALEU A PENA ESPERAR

Relembrar aquele ano escolar é sempre um regresso às memórias lindas do final da minha adolescência, do início do meu namoro com o Rui. Quanto a mim, eu sou a Sofia Botelho.
Tudo começou nos corredores da Escola. Estávamos no início do ano lectivo de mil novecentos e oitenta e oito. No intervalo entre duas aulas de uma tarde de quinta-feira outonal. Eu, a Miriam, a Carla, a Inês e a Rosa seguíamos juntas, como sempre, para o pátio, depois de uma aula de matemática que nos dera bastante que fazer à mioleira. O nosso grupo ia então rindo de uma boa piada contada pela Inês, por um dos corredores do primeiro piso, quando aconteceu: Um grupo de rapazes, tão numeroso quanto o nosso, cruzou connosco. Melhor dizendo, um deles esbarrou comigo e outro exclamou, a sorrir, ao olhar para mim:
-Hei, míuda! Pareces mesmo uma top-model!
As minhas colegas riram aberta e descaradamente, enquanto eu, que sempre tive a resposta pronta na ponta da língua, respondi, em tom jocoso:
-Nem tu sabes o quanto!
Outro deles exclamou:
- Pareces uma autêntica labareda viva! Como eu gostava de queimar-me em ti! Ui!
-Ficavas reduzido a cinzas, pá! Coitado!- respondi-lhe eu, no mesmo tom jocoso com que tinha respondido ao outro.
Gargalhadas à farta e exclamações de gozo pontuaram esses piropos a que ainda respondi com um sorriso. Eu tinha, e ainda tenho, uma abundante cabeleira ruiva alaranjada, que costumava então deixar solta - o que motivou esse tal piropo - e sou alta e delgada, o que também faz com que me chamem frequentemente top-model, claro. Entretanto, o que eu fixara, de relance, e me chamara mesmo a atenção, havia sido o olhar silencioso, mas lindo, de um dos elementos daquele grupo. Mais precisamente, do rapaz que esbarrara sem querer comigo, por o corredor se encontrar tão cheio de gente. Eram rapazes de uma turma de décimo ano, conforme me foi dito mais tarde,   enquanto nós, raparigas, ainda frequentávamos o nono. Não sabia os nomes deles, mas depressa descobri que o dono daquele rosto lindo e daquele olhar verde se chamava Rui Silvestre. Para mim, ele era tal e qual o Kevin da famosa banda dos Backstreet Boys, que ainda hoje adoro ouvir. Aquele olhar era sério, sim, mas intenso e meigo. Os cabelos dele eram curtos, com um corte moderno, e  pretos, tal como as asas de um corvo. Ele era de estatura média, mais ou menos a mesma que a minha. Pediu-me desculpa de forma breve, e ajudou-me a apanhar os meus livros e cadernos que se haviam espalhado no chão. Respondi-lhe com um sorriso, e agradeci . Olhámo-nos de novo. Algo passou nesse novo olhar conjunto, como uma energia suave e benéfica, algo agradável. Não pude esquecer-me mais dele.
Cruzei com o Rui Silvestre mais umas quantas vezes, e com os seus amigos. Agora, quando passávamos um pelo o outro, sorríamos, e cumprimentávamo-nos com um discreto: “Olá! Tudo bem?” E aquela energia voltava sempre a passar entre nós...
Até que um dia, já no meio do primeiro período, encontrámo-nos sozinhos no pátio da Escola, à saída. Rui olhou para mim, sorriu, cumprimentou-me e convidou-me a ir tomar algo a um bar próximo da Escola. Aceitei. Era a primeira vez que estávamos juntos, a sós um com o outro. Conversámos. Sentíamo-nos  agora à vontade, ambos, e Rui aventurou-se a fazer-me então uma pergunta mais indiscreta:
- Sofia, namoras com alguém?
-Eu? Não, Rui! Não tenho namorado!
-Eu também não tenho namorada. Estamos os dois em idêntica situação, então!
-Pelos vistos, sim! E já vejo que a minha pessoa te interessa!
- Muito! Apesar de os meus colegas serem uns brincalhões e gozões, eu não sou como eles! Já te deves ter apercebido disso... E tu interessas-me desde a primeira vez que te vi.
- Tu também me interessas desde essa vez! Reparei em como ficaste quase todo o tempo calado e como olhaste para mim... E bem reparei, inclusive, que não és como os malandrecos dos teus colegas!
- E tu também olhaste para mim, do mesmo modo e, apesar das tuas respostas aos piropos, a gozares, eu soube, no mesmo instante, que essas respostas não me eram dirigidas! Senti que entre nós passou algo como uma energia positiva, algo muito agradável...
-Tem piada, que eu também senti isso, desde essa primeira vez, e nas outras seguintes... E nunca mais me esqueci de ti, Rui!
- Nem eu de ti, Sofia! Por isso, tentei conhecer os teus horários, saber qual era a tua turma, para poder esperar por ti, e para ter a hipótese de falarmos a sós.
- Ena! Queres mesmo falar comigo!Sim, senhor!
- Sofia, agora, a falar muito a sério: -Queres ser minha namorada?
- Quero, pois! Acho que podemos tentar namorar. Parece-me que temos coisas em comum, além de que me agradas bastante! E o teu empenho em saberes mais a meu respeito, em procurar-me, também me agrada!
-Uau! Também tu a mim! Namorados, então!- Disse o Rui, com um maravilhoso sorriso, olhando para mim com um brilho espectacular nos olhos.
A mão dele, por cima da mesa, segurou na minha, delicadamente. Acariciou-a e apertou-a suavemente. Eu correspondi: Já para comigo mesma havia chegado à conclusão de que gostava bastante do Rui.
-Que tal irmos dar uma volta?- Perguntou-me, olhando-me com aquela expressão doce que me derretia por dentro.
- Sim, vamos!
Rui quis pagar a conta dos nossos lanches, não me deixando pagar a minha parte:
- Quem convida é que paga! Além disso, fui ensinado a ser eu a ter a iniciativa, e a pagar a despesa, se convido uma rapariga para tomar algo! É uma atitude própria de um homem a sério!
-Concordo! E aprecio! Obrigada!
 Saímos do bar e, já na rua, demos as mãos, em silêncio. Olhámos um para o outro, e seguimos pela rua, sem que as palavras, naquele momento, fossem necessárias. Os nossos olhares eram eloquentes. A um cruzamento de rua, já na penumbra, pois que o anoitecer avançava, parámos, de comum acordo. Rui tomou-me nos braços, e beijou-me com uma doçura inigualável. Que felizes nos sentíamos, juntos! Aquele primeiro beijo ficou-me para sempre na memória: Era a união esperada da nossas almas, era o confluir de toda a energia suave e agradável que ambos havíamos sentido antes, a atrair-nos um para o outro!
A partir desse dia, tirávamos sempre tempo para estar juntos, diariamente, sem que isso interferisse nos nossos estudos respectivos. Tanto eu como o Rui tínhamos tempo para estarmos com os nossos colegas de turma respectivos, e tempo para nós dois, diariamente. Conseguíamos, com um pouco de esforço comum e bom senso, reservar tempo para estarmos a sós um com o outro, ao fim de cada dia de aulas. Inclusive, passámos a estudar juntos, para rever as matérias que nos davam mais trabalho. Ele era exímio a matemática, e excelente a explicar-me como desenvolver e resolver equações. Talvez, se não fosse ele, eu não tivesse conseguido sozinha. Eu era exímia a línguas, sobretudo a Inglês. Ajudava-o a ele, que ainda tinha nisso alguma dificuldade. Até os meus pais ficaram agradavelmente surpreendidos com os efeitos benéficos desse estudo diário em conjunto. Quando souberam que erámos namorados, e viram o comportamento atinado do Rui, consentiram em que ele viesse estudar comigo a casa. Simpatizaram com ele, e viram que o Rui era um rapaz em quem se podia confiar.
Entretanto, o Natal ia se aproximando, e a festa de despedida do primeiro trimestre absorvia muita da atenção de toda a Escola, que andava em eferverscência. Iria haver uma peça de teatro de autor, canções, desfiles temáticos... Tudo estava a ser programado, experimentado. Os professores da disciplina de Português decidiram juntar alunos de várias turmas, e fazer ensaios para a peça de teatro que, de comum acordo, iria ser uma adaptação ao palco do conto de Eça de Queirós, “O Suave Milagre”. Haviam chegado à conclusão de que era algo belo, tocante, apropriado para a quadra natalícia, e não muito difícil de interpretar... E não é que a escolha das personagens principais, entre tantos testes de escolha, recaíu sobre o Rui, para representar Jesus, e em mim, para o papel de mãe da criança doente? O miúdo que ia ficar com o papel dessa criança era um aluno do sétimo ano, cujo desempenho não seria muito exigente, mas que, entre todos, era o que  se prestava mais habilmente para esse papel.
Eu e Rui andámos eufóricos, numa roda viva, durante alguns dias. É que cada qual de nós tinha testes de avaliação que fazer, matérias que estudar, fora os ensaios quase diários para a peça. Mas, como diz o povo, “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.” E, finalmente, chegou o grande dia. A manhã das várias turmas da Escola foi consagrada a dialogar com os respectivos professores, nas várias aulas, acerca das notas atribuídas a cada um, nesse fim de trimestre. À tarde, finalmente, com tudo a postos, realizou-se por fim a festa de Natal. O ginásio havia sido, entretanto, convertido em sala de teatro. Nos bastidores, que haviam sido improvisados nos vestiários respectivos dos alunos e das alunas, e habilmente divididos em secções por uma questão prática, pelos professores de trabalhos oficinais, vários alunos se acotovelavam, tentando acabar de caracterizar-se, com ajuda de algumas professoras. Outros, ansiosamente, repetiam as deixas do que iriam fazer e dizer. Havia quem ensaiasse ainda refrões de canções... Um professor de relações públicas estava destacado como auxiliar, chamando os alunos e alunas, à medida que chegava a sua vez de entrar em palco... O Rui estava ao meu lado, no corredor, com uma cabeleira, barba e bigode postiços, uma túnica branca até aos pés, de sandálias de couro e pés nus.  Ríamo-nos ambos, ao olhar um para o outro. Eu também tinha vestes compridas, e um manto por cima da cabeça, que tapava os meus fogosos cabelos por completo. O miúdo, que se chamava Alexandre, conforme soubéramos durante os ensaios, estava ao nosso lado, a sorrir, trajado com o que pretendia ser uma roupa muito pobre, quase em farrapos. Alexandre achava graça de sermos namorados e não parava de olhar para ambos.
Finalmente, chegou a nossa vez de actuar... Revejo ainda toda aquela cena como num sonho... Primeiro, um cenário de multidões, habilmente pintado, servira de parede de fundo do palco, com alguns alunos e alunas a desfilar, representando gente que ia em busca de Jesus...Também houve um par de cenas em que Jesus aparecia com alguns dos seus discípulos... Por fim, chegou a minha vez: Sozinha com Alexandre no palco, respondia às suas insistentes perguntas sobre Jesus. Então, apoteoticamente, o meu namorado ressurgiu finalmente em palco, para a cena final, cumprindo o desejo desesperado da pobre criancinha que desejava ver Jesus, vendo n’Ele a solução dos seus problemas.  Aplausos crepitaram longamente, nessa aparição. Por fim, todos três abraçados, terminámos a peça juntos. Novos aplausos choveram. A nossa actuação conjunta, embora breve, havia sido de um êxito estrondoso. Fotos haviam sido tiradas e filmagens de vídeo haviam sido feitas. Para a posteridade, ficariam as recordações de tão belos momentos. As canções retomaram o tempo final da festa, e alegraram os corações.
Depois disso, um lanche esperava por todos os que quisessem confraternizar um pouco. Finalmente, despedindo-nos de algumas pessoas, ambos conseguimos escapar-nos, já a sós os dois, e fomos dar uma volta para espairecer de toda aquela loucura e excitação.  Abraçados, seguimos por ruas discretas, ao abrigo de olhares indiscretos. Queríamos estar apenas nós dois, para trocarmos alguns abraços e beijos, falar das nossas coisas, como quaisquer namorados. Ríamos ainda das figuras em que nos havíamos encontrado, escassas horas antes, nos nossos disfarces teatrais... E agora, ali seguíamos pela rua, apenas nós dois, nas nossas vestes de Inverno, normais e actuais. Fomos até casa dele. Os pais do Rui ainda não me conheciam bem, e foi a ocasião mais acertada para travar conhecimento mais chegado com eles. Fui muito bem recebida, devo dizê-lo. Respirámos ambos de alívio ao ver que os pais de Rui gostaram bastante da minha pessoa. Isso era muito importante para nós: Queríamos poder prosseguir o nosso namoro com completa aprovação dos pais de ambos. E estávamos a consegui-lo.
De comum acordo, decidimos que não teríamos intimidade física, enquanto não estivéssemos certos de que o nosso futuro poderia ser mesmo conjunto. E uma situação dessas teria de ser muito bem pensada, para não afectar nenhum de nós. Primeiro, queríamos terminar os nossos estudos respectivos. Talvez o Rui conseguisse ser livre da tropa, se prosseguisse os seus estudos académicos, e caso conseguisse entrada na Faculdade de Letras. Por meu lado, ainda me faltavam três anos para chegar ao fim dos meus estudos secundários. Havia ainda muito que fazer, de ambos os lados. Mas de uma coisa tínhamos ambos a certeza: amávamo-nos a sério, e queríamos prosseguir o nosso futuro juntos... E decidimos que eu esperaria por ele, enquanto acabava os meus estudos secundários, e ele os académicos. Por sua vez,  o Rui esperaria por mim, também. Se vida e saúde nos fossem concedidas, e se tivéssemos a sorte de arranjarmos cada qual o seu emprego, pensaríamos então em casar, em constituir família...
Assim sucedeu, de facto e agradeço a Deus que nos uniu. Já passaram uns belos aninhos... O Rui é um excelente marido, um pai atencioso, e eu faço o possível por ser a melhor esposa e mãe. Temos uma filha única, a Rebeca. É muito gira, inteligente e com um carácter parecido com o do Rui. Parecida também fisicamente com ele. Herdou os seus cabelos negros e os seus olhos verdes. Ela é o nosso orgulho, e a nossa “mais-que-tudo”. O Rui conseguiu seguir a via do Ensino e é professor de História. Eu sou tradutora a tempo parcial. O resto do meu tempo é para minha casa e a minha família. Sou feliz assim.
Temos sido muito felizes juntos. Que Deus nos conserve juntos e unidos como até agora, é o nosso voto conjunto.
E nunca esquecemos como nos conhecemos. Já  contámos tudo isso à nossa filhota, que acha imensa graça aos nossos relatos, e admira-se de como conseguimos mantermo-nos ambos virgens, até casarmos um com o outro. Hoje em dia, poucos o fazem, ou sequer o conseguem. Rebeca admira-nos a ambos por esse empenho, por essa decisão conjunta; pelas lutas que ambos tivemos e conseguimos vencer. Pelos obstáculos ultrapassados. E sobretudo, pela força que sempre demos um ao outro, pelos objectivos que continuamos a ter, e a tentar alcançar entre os dois. E a conclusão a que qualquer de nós três tem chegado, ao analisar tudo isso, é simples e concreta: - Valeu a pena esperarmos! Vale sempre a pena saber esperar!

FIM

Nely,
Janeiro 2018