segunda-feira, 30 de outubro de 2017

nino bravo cartas amarillas letra

Conto - A Coragem de Ser Feliz

“Um cobarde não pode saber o que é a felicidade. É preciso coragem para ser feliz.” – Armand Salacrou



A  CORAGEM  DE  SER  FELIZ

Márcia releu, pausadamente, o que acabara de escrever no seu diário:
“Numa volta súbita do caminho, o Amor ressurgiu, qual um ladrão, um assaltante, com uma face nova e inesperada... O assalto foi repentino, surpreendente e doce... Compreendi algumas coisas, em que antes, ainda eu não havia pensado... Eis algumas delas:
1)    – Realmente, o Amor não tem idade!
2)    – Nem se dobra a preconceitos...
3)    –Muita coisa, entretanto, e com o tempo, mudou...
4)    –Há sempre a possibilidade de amar, se tivermos o coração disponível e não nos importarmos com experimentar formas novas de amar...(Isto, falando mais de sentimentos, e menos de sensações físicas!)
5)    –O Amor tanto pode ser apenas vivido na alma  - e deriva assim em amor platónico – como pode ser transposto para expressões corporais – e aí, transforma-se em paixão! Para isso, a escolha pode, ou não, depender de nós...
6)    Para amar, às vezes, é preciso pagar o preço...
Não me importo! Pagarei o que fôr preciso! Não vou renegá-lo, desta vez, nem mandá-lo embora...
Mas farei o que estiver ao meu alcance para expressá-lo e vivê-lo tanto quanto puder! Sabendo que sou correspondida... Estou tão feliz!”
Satisfeita, pôs a data, assinou, como sempre o fazia quando escrevia nesse diário seu, íntimo. Vivendo sozinha, e sem ter com quem desabafar, havia achado nisso um meio de aliviar algum stress e ao mesmo tempo, pôr as ideias em ordem. Fechou, finalmente, o livrinho, que comprara havia pouco tempo, em substituição do anterior, cujo espaço para escrever se esgotara algums dias antes.
Ficou, por um momento, ainda, sentada, pensando em Valério, o seu amor descoberto recentemente. Valério tinha menos dez anos do que ela. Mas ela não se importava com a diferença de idades, nem ele tampouco! Haviam sentido o flash da paixão súbita, logo ao conhecerem-se. Um primo dele os apresentara, um par de meses antes, numa festa de aniversário familiar. Aos quarenta e cinco anos, Márcia, que havia permanecido vários anos sozinha e nunca casara, após alguns namoros inviáveis, encontrara, por fim, alguém com quem, finalmente, se identificava em muitas coisas.
Valério e ela haviam continuado a encontrar-se e também, nesses encontros,  conversado bastante, até há poucos dias, e haviam chegado ambos à conclusão que eram muito parecidos, na sua forma de estar na vida. Mais que uma amizade, uma faísca repentina de paixão acendera-se entre ambos. Não puderam e  nem quiseram ignorar esse facto. Sentiram-se tão bem juntos, no primeiro encontro, que, de mútuo acordo, tudo fizeram para reencontrar-se, diariamente, ou falarem, apenas, pelo telefone e até mesmo pela Internet.
 Havia alguns anos que Márcia se independentizara de sua família e vivia apenas ligada ao seu trabalho de administrativa numa empresa de contabilidade, em Tavira. Alguns dos seus colegas, agradados com ela, haviam tentado a sua sorte, sem conseguir mais do que serem educadamente rejeitados. Nenhum deles, por muito cortês que fosse, havia conseguido que lhe sucedesse o que agora lhe sucedera, em relação a Valério...
Valério era um rapaz interessante, sem que se lhe pudesse considerar “bonito”. A ela, parecia-lhe óptimo, assim, tal e qual ele era: loiro, mas com uma tonalidade de cabelo meio aruivado, olhos verdes claros, expressivos, um rosto de maxilares bem definidos,  e nariz aquilino... Não usava barba nem bigode. Dizia não gostar disso. Sempre muito bem arranjado e moderno, ou não fosse ele um jovem!
Esse rapaz acumulava profissionalmente as funções de socorrista da Cruz Vermelha, e de técnico de manutenção na própria delegação dessa instituição, em Tavira, cidade em que viviam tanto ele como Márcia.
Conforme Márcia se levantou da cama, onde se sentara para escrever no diário, pouco depois de acordar, nesse seu dia de descanso, e querendo guardar o diário onde sempre o guardara, numa gaveta de um dos móveis do seu quarto, foi interrompida nesse seu movimento pelo toque do telemóvel. Apanhou-o de cima da mesa de cabeceira, verificando que se tratava de uma das suas tias. Atendeu, com uma careta de desagrado, prevendo logo o pior... Depois dos breves cumprimentos dados com uma voz seca e ríspida pela tia, como de costume, o ataque esperado não demorou:
- Já soube que arranjaste um namorado!- Isto foi dito em tom de censura inequívoca.
- Sim, tia, é verdade!- Respondeu Márcia, convicta.
-Então, tu não tens vergonha de dar corda a um homem tão mais novo do que tu? Um badameco qualquer que só pensa decerto em divertir-se e aproveitar-se de ti!
- Vergonha? Vergonha, porquê? Em primeiro lugar, não fizemos nem estamos fazendo mal a ninguém, nem ele, nem eu! Em segundo lugar, eu não lhe dei corda nenhuma, porque ele não se meteu comigo! Foi outra pessoa que nos apresentou um ao outro! E em terceiro lugar, o Valério não se anda a divertir à minha custa nem a aproveitar-se de mim, sequer! – Respondeu Márcia, já furiosa pelo ataque de que estava a ser alvo.
-Moça! Isso fica-te mesmo mal! Põe-te no teu lugar! Agora, com a tua idade, não precisavas disso para nada! Ou estás assim tão faltada de ter um homem para a cama? Deve ser isso que ele quer de ti, apenas e...
Márcia, fora de si, interrompeu-a, gritando, já:
- Tia, isso é a sua maneira de pensar! Não é a minha! Eu é que sei do que preciso ou não! A vida é minha! E ninguém tem nada que ver com isso, nem sequer você! A idade também não interessa! Eu não sou nenhuma adolescente a quem tenham que ralhar e advertir! E o Valério também não é nenhum badameco! Você está a ofender o rapaz sem sequer o conhecer!
-Não queres escutar conselhos de ninguém, pois não? Esse moço não é para ti! Tem juízo!
-Olhe, tia, se é para estar contra mim e vir irritar-me, dispenso que me ligue, de hoje em diante! Passe bem!- explodiu Márcia, após o que desligou o telemóvel, pondo fim àquela conversa azeda, que a indispusera de imediato.
-Era só o que me faltava agora! Falsos moralismos e um descaramento destes!- Resmungou para si mesma a meia voz.- Ainda por cima, preconceitos, ideias tão ultrapassadas! E intromissões! Quase que me estraga o dia!
De súbito, mudou de atitude, pensando: - Não! Não vou permitir tal coisa!
Márcia acabara, com efeito, de se lembrar do estudo que havia feito, algum tempo antes, através de um livro de uma escritora americana,  que ensinava as mulheres a mudar o seu comportamento para com elas mesmas, e a desenvolver a sua auto-estima. Essa obra ajudara-a imenso, e agora, essa ajuda estava já a dar o seu fruto: Aprendera a gostar mais de si, e a dar menos importância a opiniões alheias...
Entretanto, tocaram à porta. Márcia vestiu instantaneamente uma vaporosa e transparente espécie de casaquinho de seda côr de rosa por cima das peças íntimas de renda  da mesma côr, que tinha vestidas e com que se deitara na véspera. E foi abrir, pois a campainha insistia. Ela correu para a porta do apartamento, e espreitou pelo olho desta, para ver de quem se tratava, pois não estava disposta a aturar mais gente estúpida e chata...
 Era Valério, e isso fez mudar a expressão do seu rosto, de imediato, destrancando a porta, e sorrindo radiosamente para o rapaz.
-Olá, querida! Como estás? - Disse Valério, olhando-a nos olhos, e sorrindo, enquanto entrava. Quando já se encontrava dentro do apartamento, apertou,  de imediato, Márcia, nos seus braços, e beijou-a apaixonadamente. Ela correspondeu-lhe  totalmente, passando os braços em volta do pescoço do seu amado. Quando se soltaram, ele soltou um assobio de apreciador, dizendo também:
-Sim senhora! Maravilhosa maneira de receber um homem! Estás muito sexy, nessas roupas íntimas! Adorei! Por detalhes como esses, da tua parte, é que estou tão apaixonado por ti! Sabes valorizar-te e cativar-me ao mesmo tempo!
-Amor! Estou tão feliz agora, que tu estás aqui comigo! Mas não te esperava ainda  a estas horas! Bela surpresa!
- Ia a passar aqui perto e resolvi vir ter contigo!
- Fizeste bem! Eu estava a precisar de te ter aqui!
- Hoje estou livre, não tenho serviço que fazer, e então, pensei: que tal aproveitarmos o dia e ficarmos juntos? Já que hoje é Sábado... Não tens trabalho hoje, pois não? Tens algo combinado com alguém?
-Não, meu amor! Nada disso! Hoje é mesmo dia de descanso!
Márcia brindou-lhe um sorriso radioso, quando ele a  voltou a apertar em seus braços, acariciando-lhe os cabelos pretos lisos e fartos, presos num rabo de cavalo comprido e frouxo.    Ele adorava tê-la nos braços enquanto olhava para aquele belo rosto feminino, um pouco marcado, para aqueles olhos côr de avelã que riam, fixando os seus. Outro beijo apaixonado lhes uniu de novo as bocas sedentas. Pouco depois, entraram no quarto dela e sentaram-se sobre a cama, partilhando carícias e beijos, até fazerem amor intensamente.
Quando se sentiram saciados, ficaram deitados lado a lado sobre a cama em desalinho, conversando.
-Sabes, Valério, pouco antes de teres tocado à porta, recebi uma chamada no telemóvel... Livra! Que saco!
- Quem era, querida?
-Uma das minhas tias. Chata e estúpida! Sempre com aquela mentalidade tacanha!
-Que te queria ela?
-Quis impingir-me o falso moralismo dela, como sempre! As notícias  também correram depressa...
-Então?
-Ela já soube de nós dois, nem sei como, e desatou a dizer que eu não tenho idade para namorar contigo, que tivesse juízo, que tu não eras para mim... que eu não queria ouvir os seus conselhos... como se eu precisasse disso, com a minha idade! Safa!
A sorrir, Valério pousou uma mão sobre o corpo feminino despido, encostado ao seu, na cama. Acariciou aquela pele branca e suave, exposta, passeando as mãos pelo corpo bem feito que ele adorava. E disse, de modo maroto:
- Tens idade para ser fogosa e sexy, como és comigo, e para teres um namorado que te adore e te valorize, como é o meu caso!
Estavam a começar a sentir frio, e meteram-se entre as mantas. Então, prosseguiu encarando-a, agora seriamente:
-Tens de ser forte, meu amor! Não ligues, nem te apoquentes com essas pessoas! Nós dois sabemos que nos amamos, que gostamos de estar juntos! É isso que conta, não é verdade?
-Sim, querido! É isso mesmo!
- Estás disposta a lutar juntamente comigo, contra os preconceitos dessas pessoas?
-Claro que sim! O nosso amor dá-me muita força!
- A mim também!
-Vamos unir esforços!
-Sim! Precisas de ser mesmo forte e corajosa!
-Bem sei! Podes crer que eu não vou desistir de nós! Já não saberia viver sem ti! Sem o nosso amor!
-Nem eu sem ti, Márcia! Amo-te!
-Adoro-te, Valério!
O tempo ia passando, e o cerco de críticas e desaprovação ao amor que eles sentiam, à relação existente entre eles ia-se apertanto, densificando. Não era só Márcia que estava a ser criticada, e contestada de vários lados. Familiares e amigos de Valério também não se privavam de falar mal de Márcia a ele. E de querer retirar-lhe a sua amizade. Tudo tentavam, para o fazer desistir de Márcia. Já se relacionavam com muito poucos, de entre todos os que antes, quer amigos quer familiares, se davam com ambos.
Diariamente, Márcia continuava a escrever no seu diário e a rever  os apontamentos vários, dos livros de auto-ajuda que lera antes e de outros que lia agora, e dos quais anotava ainda tudo o que achava mais relevante. De vários testemunhos que também lera, chegara à conclusão que não era a única, nem a primeira a ter tais lutas sociológicas, mas que poderia triunfar. Tinha Valério a ajudá-la, e isso para ela era maravilhoso, tendo também em conta que ele próprio estava a ser atacado, e a ter de lutar em condições muito semelhantes às suas!
De lágrimas nos olhos, muitas vezes, Márcia desabafava de viva voz com o seu amado,  e ele consolava-a o melhor que podia. Como Márcia vivia sozinha e Valério com a sua família, ele era atacado mais directamente, e mais assiduamente pelos da sua casa. Estes lhe faziam já a vida negra, com as críticas e implicâncias agora diárias a que o sujeitavam sem dó, e de má cara. O ambiente familiar estava a ser insuportável para o rapaz. Até ao dia em que, saturado, saiu decididamente e definitivamente de casa, indo juntar-se a Márcia, após os diversos convites insistentes dela própria para que o fizesse. Foi ter com ela, para viverem a dois no seu pequeno apartamento da periferia da cidade.
Depois de um momento de respirar fundo e descansar um pouco, sentado no sofá da pequena sala, onde um bom gosto evidente, da parte de Márcia, havia conferido àquele espaço uma boa nota de conforto, Valério desabafou, por sua vez, como já o vinha fazendo também ele, mas desta vez, já aliviado:
-Querida, eu já não aguentava mais! Nunca pensei que as pessoas fossem tão preconceituosas, em pleno século vinte e um! Arre! Ainda bem que pude vir viver contigo! Obrigado por me quereres a teu lado, meu amor! É tão bom estarmos juntos e tão unidos!
-Queriam separar-nos, não era? Pois, com tudo o que fizeram e disseram, só conseguiram que ficássemos mais unidos do que nunca, querido!- Respondeu ela, que, estando sentada ao lado dele, ergueu-se para sentar-se no colo dele, abraçando-o, acariciando-lhe o rosto e os cabelos louros.
Depois, ergueu-se, dizendo:
-Vou pôr um pouco de música para nós dois! Vais ver como vamos ficar bem!
E dirigiu-se ao pequeno leitor de CD’s que ali estava, perto da televisão. Procurou rapidamente um CD que logo pôs a tocar, e voltou a sentar-se no colo de Valério, beijando-o, enquanto a música começava a soar. A voz inconfundível de Julio Iglesias fazia-se agora ouvir, naquele espaço, onde só eles podiam disfrutar e compreender a mensagem adequada e escolhida com critério por Márcia, que já a escutara antes, inúmeras vezes: “ Amantes, oh, oh, oh, amantes... para la gente somos solo amantes, por vivir juntos, sin estar casados, por no cerrar la vida en un contrato..” , “amantes, con el coraje de ir siempre adelante, vivir la vida entera a cada instante, sin importar lo que murmurén y y hablén”...
-De facto, esta música é o retrato musical daquilo que nós estamos a passar, a viver!- disse Valério, apertanto Márcia em seus braços e cantando depois, em uníssono com a voz do cantor: “Amante, me gusta ser tu amante”... E interrompeu-se para beijar a sua namorada, agora assumida como companheira e amante, e  apertá-la ainda em seus braços, com uma doçura de quem tinha a firme certeza do que sentia por ela, do que queria viver ao lado dela.
E concluiu, olhando-a docemente nos olhos:
-É isso mesmo: amantes!  E, como diz o ditado: “Quem não quer couve, prato cheio!” Adoro ser teu amante, sabias? Não com a conotação de desprezo com que essa gente o diz, mas no verdadeiro sentido do termo: amante, segundo o dicionário, é aquele ou aquela que ama outra pessoa! Tem um significado maravilhoso! Pelo menos para aqueles que se amam realmente, tal como nós! É doce poder dizer-te “amo-te!”, e chamar-te “minha amante”! É grandioso!
Os olhos chamejantes de paixão de ambos não paravam de se fitar.
Márcia disse, após outro beijo apaixonado:
- Nem mais, meu amor! Eu também adoro ser tua amante! Eles vão aprender connosco o que é o verdadeiro amor, vão ver o quanto têm estado enganados, a nosso respeito, e vão saber, duma vez por todas, que este nosso amor não tem barreiras, e que quando se ama de verdade, não há lugar para os preconceitos e os tabus, numa relação!
-Que passem bem sem nós, já que se afastaram, e nos puseram de lado! Também não precisamos deles para nada!
- Como dizia a minha querida avó, e que em paz descanse: “Quanto menos vulto, melhor claridade!”
-Mesmo!- Respondeu Valério, ainda a rir.- Anda daí, miúda! – E levantou-se. -Vamos jantar fora, para comemorar! Hoje convido eu! Vai pôr-te chique, porque linda já tu és! Vá! E eu também vou trocar de roupa, para não fazer má figura ao lado da minha linda estrela!
- És um querido! E também és um autêntico borracho! É para já! E ai daquela que te cobiçar! Sou ciumenta e possessiva, quando é preciso! –Exclamou ela, feliz.
-Isso mesmo! Eu não penso e nem preciso olhar para mais nenhuma rapariga, senão para ti! E os que te cobiçarem saberão  também que tu és só minha!
Nessa noite, foram a um pequeno restaurante do centro da cidade. Deslocaram-se no carro dele. O jantar, num canto discreto do restaurante, decorreu agradavelmente, num ambiente calmo e intimista.
Enquanto ali estavam, passou na televisão, que estava acesa ali perto, a música do genérico de uma novela que todas as tardes dava num dos canais portugueses. Eles não viam, nesse momento, a televisão, que não estava ao alcance do seu ângulo de visão naquele lugar, mas a bela voz feminina de Isabel Campelo, que era quem cantava essa canção, era melodiosa, e conseguiam ouvi-la perfeitamente: “Nunca digas adeus... nunca digas adeus.. vais provar o sabor da paixão... Nunca digas adeus, nunca digas adeus e o amor sairá da prisão”...
Márcia, sorrindo para o seu companheiro, ao escutá-la, disse-lhe:
-A história das personagens principais desta novela é parecida com a nossa! Esta canção é linda! É praticamente a nossa canção, apesar de que a outra, do Julio também se adecua a nós!
-Tens razão! Temos de descobrir quem a canta e procurar o CD para nós dois!
- Boa ideia! Não sei bem quem a canta, mas em casa, vamos fazer uma pequena pesquisa, na Internet, que é fácil, porque isto é a música da novela...
-Para isso, podes contar comigo! Já sabes quem é o Às do teclado! –Disse Valério, a piscar um olho.
-Sim! É uma das tuas diversas habilidades! Adoro-te!
-E eu a ti! Por ti, faço tudo!
-Fazemos uma bela dupla!
-Pois fazemos! Somos cúmplices!
A rir, ergueram ambos os copos onde luzia um apetecível vinho rosé, cor de romã, cristalino, e brindaram:
-A nós dois! À nossa saúde!
-Sim! E à nossa paixão!
E depois, ambos:- Tchim, tchim! Ah!Ah! Ah!
E os outros, os que os desaprovavam... que fossem “dar uma curva ao bilhar grande!”
Eles estavam juntos, felizes, e iam permanecer assim.


FIM

Nely, 
Outubro 2017
( Do meu livro de contos "Novo Rumo")


Conto - O AMOR TUDO VENCE

« De nada serve estar sentada num jardim primaveril, quando uma nuvem pesada de inquietude vem escurecer o azul do sonho. » -Berthe Bernage


O AMOR TUDO VENCE


-Tem calma, amor! Não chores! Tudo se há-de resolver! Vais ver! - Disse Lúcio, tentando confortar Mónica.
Rodeou os ombros da namorada, que nesse momento chorava, desgostosa e tensa, e beijou-a docemente. Ela entregou-se a esse beijo com desespero. Lúcio adorava Mónica. O namoro deles durava já cinco anos, com o conhecimento das respectivas famílias, e com o projecto de casar assim que lhes fosse possível. Somente estavam esperando que Lúcio terminasse o seu estágio profissional, do curso superior de engenheiro electrotécnico, que seguira, em Évora. Havia pouco tempo - alguns meses - Lúcio e Mónica, apaixonados como estavam, haviam resolvido avançar com a sua intimidade física, devido à saudade crescente que sentiam um do outro, motivada pelo afastamento prolongado durante os vários períodos de estudo de ambos. Mónica havia decidido tomar a pílula, para evitar uma possível gravidez, até que ambos tivessem condições para casar e ter o seu próprio lar. Lúcio concordara prontamente, pois, dos dois, só Mónica conseguira já um emprego. Cerca de um ano antes, empregara-se na redacção de um jornal local, em Faro, depois de concluir os seus estudos, na área de comunicações. A sua formação académica fora de menor duração que a de Lúcio, e em Portalegre. Tinham sido tempos difíceis para ambos. Mas ambos sabiam que valera a pena o sacrifício, tanto dela como dele, de submeter-se a essa distância, e dos pais de ambos pagarem tão dispendiosa formação. Graças ao seu empenho, e à sua habilidade natural para as artes, e para a comunicação social, obtivera belíssimos resultados académicos.  Fizera o estágio pedagógico num pequeno museu farense, logo seguido do estágio professional, numa empresa local, ligada às artes. Depois, obtivera de imediato a possibilidade de integrar a equipa de um jornal semanário local, em Faro. Sabiam ambos que ainda não tinham meios suficientes para avançar com a vida a dois. Esse objectivo estava ainda difícil de cumprir, da parte de Lúcio: ele só conseguira, até ali, trabalho precário, no Verão, apesar dos seus estudos quase completos, na área de electrónica.
Naquele momento, estavam os dois sentados num banco de jardim, perto do Arco da Vila, na zona histórica de Faro. Não havia ninguém por perto, naquela hora da tarde. Mónica tinha saído do serviço às cinco, e passando por uma farmácia, adquirira um teste de gravidez. Fora para casa, e, felizmente, estivera sozinha, pois os pais não estavam lá naquela hora. Fizera havia pouco o teste, e acabara de descobrir, sem lugar para dúvidas, que estava grávida, mesmo tomando a pílula. Isso a deixava confusa, e ao mesmo tempo, perplexa, e apreensiva.
-Não sei o que fazer! Tenho que informar os meus pais disto… Não vão gostar de certeza! Principalmente a minha mãe, com aqueles preconceitos que tem contra esse tipo de coisas…
-Querida, eu também vou ter de informar os meus! Que pensas fazer, quanto a esta gravidez inesperada?
-Que penso eu fazer? Como assim? – Reagiu a jovem, espantada com a pergunta, inesperada, da parte do namorado, que depois dos seus pais, amava mais que tudo na vida. Para ela, a questão tinha uma resposta óbvia e inquestionável.
-Pensas assumi-la e mantê-la até ao fim, ou pensas abortar? Preciso de saber o que decides, para ter uma ideia do que vou responder aos meus pais, quando mo perguntarem por sua vez… E também para definir de vez o que faremos ambos… Como iremos resolver essa situação?
-Ai, Lúcio! Abortar, não! Nem pensar! Nem me fales em tal! Isso até me mete medo!
- Pronto! Querida, eu também não gosto nada dessa hipótese! Queres então ter o nosso bébé, não é verdade?
- É claro que quero ter o nosso bebé! É fruto do nosso amor! Mesmo que tenha surgido antes do tempo que pensávamos esperar para que viesse! Tu também o queres? Concordas?
-Claro que o quero e que concordo! Não duvides! Mas a decisão mais importante é a tua, amor! És tu que estás grávida! Por isso to perguntei! Podias não querer prosseguir com ela! No entanto, seja o que fôr que decidas, vais ter todo o meu apoio, querida! Sabes que te amo, e que a responsabilidade, quanto a esse assunto, também é minha, mesmo que tenha, actualmente, poucos meios financeiros para te apoiar! Mas, decerto, os meus pais tentarão ajudar-nos, de algum modo! Eles são muito mais liberais do que a tua mãe, nesse campo!
- Ainda bem! Quero prosseguir com a gravidez, sim! Mesmo que toda a gente possa estar contra, vou ter esse filho! No fim de contas, eu trabalho, e hei-de dar um jeito de andar para a frente com a vontade de ter e criar o nosso filho!
- Pronto, meu amor! Calma! Concordo inteiramente contigo! Além do mais, esse filho é de ambos! Gerámo-lo juntos! É uma decisão que envolve uma vida humana nova! Não é nenhuma brincadeira! Não é reversível! Trata-se de uma decisão que temos de tomar juntos, para o futuro, para o resto das nossas vidas!
-Que bom que é saber que posso contar contigo! Se assim não fosse, ficaria muito triste, acredita!
- Não te vou desamparar agora! Nem nunca, se depender da minha vontade! Tenho tanta responsabilidade, com esse filho, como tens tu! És uma mulher valente, e corajosa! Admiro-te, sabes? E mesmo que toda a gente possa estar contra ti, eu estou contigo! Adoro-te, meu amor! Agora, acalma-te, sim?
- Eu também te adoro, Lúcio! Também te admiro muito! És um homem lutador, destemido, e bem vejo, pelas tuas atitudes, que me amas muito, que me queres proteger e ajudar! Meu amor! Só o teu carinho me acalma, mesmo! Só fico bem contigo por perto!
Lúcio beijou-a de novo, apaixonadamente, apertando-a carinhosamente contra si. Acariciou-lhe os cabelos castanhos sedosos, docemente. Pensava, nesse momento, que desde que prosseguissem juntos, nunca se cansaria de fazê-lo. E também de ter a sua namorada em seus braços, de acariciá-la, de fazer amor com ela, de tê-la junto dele. Adorava-a, e agora, punha todo esse amor nos beijos e carícias que lhe dava. Sabia que tinha de ser ele, enquanto homem, a ser o mais forte, a ampará-la a ela, mulher, como mais fraca. Queria protegê-la. Ela sentia-o, e por isso, os beijos e abraços de Lúcio lhe sabiam tão bem, a acalmavam tão rapidamente, por serem tão carinhosos e espontâneos, sinceros. Ela também o adorava a ele, e tentava, com toda a sua alma, transmitir-lho, entregando-se-lhe totalmente, como já o havia feito, na intimidade. Se o preço era ter engravidado e ter de assumir isso, ela não recuava.
-Querida, eu estou aqui, contigo, e não te vou deixar só! Prometo! Precisas de ter paz e tranquilidade, para que fiques bem, e que a gravidez decorra sem problemas! Eu vou fazer tudo o que me fôr possível para que isso se concretize da melhor forma! Acalma-te, e não temas!
- Sim, querido, prometo que vou ter calma! É bom poder contar contigo, e é isso, o que mais me importa! Podemos ir tomar algo? É que saí à pressa de casa, para vir ter contigo, depois de fazer o teste, e nem sequer comi. Então, agora, estou com tonturas, com fome, e também um pouco agoniada…
- Claro que sim, querida! Vamos até uma pastelaria! Não muito longe daqui, há uma… Tomas o que te apetecer!… Mas, se calhar, devias tomar também um café, na minha opinião! Deves estar com a tensão baixa! Ainda bem que estou contigo, para o caso em que te sintas prestes a desmaiar!
- Sim, Lúcio! É isso mesmo! Vamos! Ajuda-me, por favor! Preciso de me apoiar em ti, amor!
Lúcio ajudou-a a erguer-se do banco, e rodeou firmemente, com um braço, a cintura de Mónica, agarrando-lhe a mão com a que ele próprio tinha livre. Sentindo-se um pouco fraca, zonza, a jovem foi andando devagar, apoiada nele.
 Lúcio sentia-se um tanto atarantado com a situação, mas nada faria com que ele deixasse de dar todo o apoio que pudesse a Mónica, que, junto com os seus pais, era quem ele mais amava. Esta era uma prova difícil. Mas ele estava convencido de que, com amor, tudo se poderia resolver. Sentia que Mónica estava fragilizada, carente, e nesse momento, cabia-lhe a ele, por muito difícil que fosse, dar-lhe forças, transmitir-lhe ânimo. Devia provar-lhe, agora mais do que nunca, que a amava de verdade. Devia acarinhá-la o mais possível, de modo que ela sentisse esse amor, e pudesse apoiar-se nele, neste momento de fragilidade e carência afectiva. Ele devia ser firme, e forte, para tal. E carinhoso ao máximo, com ela, sem reservas. No fim de contas, sabia que Mónica merecia esse amor e dele necessitava.
 Cerca de uma hora mais tarde, Lúcio foi com Mónica a casa dos pais dela, para falarem sobre a situação surgida. Não quis deixar a rapariga enfrentar sozinha a mãe, que sabia terrível, dominadora, repressiva, e, por vezes, mesmo rixosa. O pai dela, esse, pelo contrário, era um homem calmo, liberal.
O clima, ali, tornou-se depressa opressivo e tempestuoso. Lúcio ficou horrorizado com o que presenciou. Após as primeiras explicações, de ambos, para com os pais da sua noiva, Dona Lobélia, mãe de Mónica, passou-se por completo e deu largas à sua ira:
- Filha minha não pode aparecer grávida antes de casar! Que vão dizer as pessoas? A minha comunidade da Igreja vai ficar toda escandalizada, se o souber! Mesmo que casasse já, enquanto não se nota, depois acabava-se por se saber tudo! Que vergonha! Que falta de moral!
- Ó mãe! Francamente! Falta de moral, porquê? O que lhe importa mais? Eu, e a minha felicidade, ou o diz-que-disse da sua comunidade? Além disso, não ando, nem nunca andei, por aí com tudo o que é rapazes! Só me relaciono com o Lúcio, e é ele o pai deste bebé! É o único homem da minha vida! Não tenho que ter vergonha disso, pois não fiz mal a ninguém!
- Como te atreves? Desavergonhada! Estás a faltar-me ao respeito!
Lúcio não aguentou tamanha injustiça, e respondeu por Mónica:
- Desavergonhada, não, Dona Lobélia! A Mónica era virgem quando se entregou a mim, e eu também o era, quando fiz amor com ela! Além disso, já tinha intenções de casar com ela, tal como ela comigo, e ambos mantemos essa intenção! Pertencemos um ao outro, e queremos prosseguir a nossa vida juntos!
- Não podiam ter esperado? Depois de casar tinham tempo de fazer a sem-vergonhice!
- Sem-vergonhice, seria se eu ou ela andássemos por aí, a fazer sexo à toa, onde e com quem calhasse! Não é o caso, nem meu, nem dela! Nós amamo-nos e não nos andamos a expôr! Fizemos tudo discretamente! - Ripostou, indignado, Lúcio.
Dona Lobélia, furiosa, apostrofou-o, com prepotência:
-Cala-te, rapaz! Aqui, quem manda, sou eu, e amanhã mesmo vou marcar uma ida a Beja, numa clínica privada, para lhe fazerem um desmancho!
Lúcio e Mónica ficaram inicialmente sem palavras, boquiabertos, perante tal desfaçatez e prepotência: Aquela mulher estava a atropelar tudo e todos, sem deixar hipótese a ninguém, e chegava ao cúmulo de ser mal-educada, e má!
Mónica lançou então um grito de dor que lhe saiu de dentro:
-Nãããããooooooo!
Foi secundada por Lúcio que também gritou:
-Nuncaaa!
Depois, comentou, irado:
- E diz a Dona Lobélia que a sua filha lhe está a faltar ao respeito? Grande lata! A Senhora é que está a faltar-lhe ao respeito a ela, e a mim também, com essa sua prepotência e essa atitude inqualificável! Safa!
Foi, então, a vez do Senhor Elói, pai de Mónica, intervir.  Ele tinha estado muito calmamente escutando tudo, mas acabara por passar-se, também ele, e com razão, perante o comportamento da esposa:
- Mas tu estás louca, mulher? Tu tens noção do que estás a dizer e a pretender fazer? A tua filha já não é nenhuma adolescente, aos vinte e dois anos! Para além disso, já trabalha, e o Lúcio tampouco é nenhum irresponsável! Se esse bebé surge, agora, assim, mesmo com ela tomando a pílula, foi porque Deus determinou assim! Ou será que tu não páras, para pensar que a vontade divina pode ser diferente da humana? Não posso estar de acordo com o que pretendes fazer-lhe! Não a podes obrigar a fazer um aborto! A decisão, de dar ou não, um passo desses, é dela e do Lúcio, apenas! Nunca tua! Nem te deves sequer intrometer entre eles! E se ela pretendesse fazer tal coisa, eu mesmo estaria contra!
- Estás do lado deles, é? Que falta de vergonha e de moral! E tu apoias, pelos vistos!
-Apoio, pois! Falta de moral tens tu! Estás eivada de preconceitos, mas até admira não os teres contra o aborto, sendo tão católica como és! De que te serve, afinal, ires, ao Domingo, bater com a mão no peito, na missa, e depois, em casa, teres atitudes destas com a tua filha? Deverias ter vergonha, tu, sim! Unicamente tu! Hipócrita! Que preconceituosa! Pessoalmente, não considero que eles tenham feito nada de mal! Eles amam-se, é perfeitamente normal, natural, direi eu, pertencerem um ao outro! Além disso, a geração deles não é a nossa!
- Já disse! Ou ela vai desmanchar essa gravidez, ou…
-Ou o quê?
-Ou o quê?
-Ou o quê?
Três vozes fizeram-lhe a mesma pergunta, em simultâneo, chocadas…
- Ou, então, ela sai desta casa e nunca mais pra cá volta! Não a quero voltar a ver, nem a ele, se ela não me obedecer! Que vergonha!
- Vergonha, isso sim, vai ser para ti, quando toda a gente souber o que estás a fazer à tua própria filha, e o que pretendes obrigá-la a fazer, ainda por cima, algo que a Igreja condena! Até a tua comunidade vai apontar-te com o dedo! Não vais escapar às críticas, que não vão ser nada suaves! Hipócrita!
- Banana! Frouxo! Consentido! É por tu seres assim que ela chegou a este ponto! - Ripostou Lobélia.
O marido reagiu, já enfurecido, levantando-se da cadeira onde estava sentado, frente aos jovens:
- Basta! Nem uma palavra mais, Lobélia! Não me achincalhes assim, que não o mereço! Ainda por cima, diante da Mónica e do Lúcio! Perdeste a cabeça por completo! Não me faças agora usar a violência contigo, já que nunca o fiz! Embora, agora, até mereças um par de estalos nessa cara! Já chega de prepotência e estupidez! Não vou consentir que ponhas a nossa filha na rua, como se fosse um cão! E muito menos que a leves a fazer um aborto! Nunca! Só por cima do meu cadáver!
- E só por cima do meu, também! – Insurgiu-se Lúcio, indignado.
Foi a vez de o Senhor Elói prosseguir:
- E sempre gostaria de ver a cara do padre Felício, se lhe fossem contar que uma das suas paroquianas pretende obrigar a própria filha a fazer um aborto! Ele havia de ficar muito satisfeito, sem dúvida! Que raio de valores morais são esses que tens dentro? Monstro! Que é que tu aprendeste nas reuniões da tua famigerada comunidade? Aprendeste o farisaísmo e a hipocrisia, foi?
- Elói! Mas… não acredito! Estás a desautorizar-me diante da nossa filha e do rapaz?
- Estou, pois, Lobélia! Já que tu própria te estás desautorizando com as tuas atitudes! E, decerto, te esqueceste que quem deve mandar, na realidade, aqui em casa, devo ser eu? Tu mesma me estás desautorizando a mim perante eles, o que considero vergonhoso! Até aqui, não te disse nada, porque não tinhas chegado a estes extremos! Mas eu não posso, de forma alguma, deixar-te prosseguir com essa loucura monstruosa!
Mónica, ouvindo isto, olhou para o pai e respondeu-lhe:
-Obrigada, Pai! Mas, sabes, agora, sou eu que não quero mais ficar aqui! Vou-me embora!
- Então, filha?! Para onde vais? - Perguntou o Senhor Elói, desgostoso e apanhado de surpresa.
- Vou embora, Pai! Desculpa, mas o clima está insuportável nesta casa, e não consigo cá permanecer, nem mais uma hora que seja! Ou ainda me dá uma coisa má, e aí, então, é que perco o bebé, e vai ser pior! Ainda não sei para onde vou, já verei isso junto com o Lúcio!
- A Mónica vai comigo! Está decidido: havemos de arranjar sítio onde ficar! - Respondeu Lúcio, olhando frontalmente para o Senhor Elói.
Mónica prosseguiu:
-Ainda antes de virmos para cá, Pai, tive uma tontura, na rua e estava agoniada! Se não fosse o Lúcio, nem sei o que me teria acontecido! Já estava mesmo a prever que este pandemónio ia suceder! Só não esperava que a mãe me quisesse obrigar a fazer essa barbaridade! E agora, uma cena destas! Não me sinto nada bem! Obrigada, no entanto, por defender-me, Pai! Não vou esquecer isso!
Lúcio achou por bem intervir, novamente, para sossegar Elói:
- Ela pode ir comigo, para casa dos meus pais, se eles estiverem de acordo! Senão, a gente desenrasca-se, os dois juntos, em qualquer pensão, se fôr preciso! Fique descansado, Senhor Elói! Eu não vou deixar a Mónica sozinha, seja onde fôr, nem a vou desamparar! Juro! Seria mesmo incapaz de o fazer! Outra coisa, é que, se ela não estivesse a trabalhar no jornal, levava-a comigo, já, para Évora, e ela ficava por lá comigo, todos os dias, até que eu acabasse o meu estágio profissional! Mas, já que ela tem o seu próprio trabalho aqui, vamos tentar resolver a situação o melhor possível! Também, são só mais uns meses! E virei cá todas as vezes que me fôr possível!
- Bom, nesse caso, tomem lá            então, este dinheiro, para ajuda de qualquer despesa dessas que tenham de fazer… Mas digam-me algo, senão fico em cuidados! - Respondeu Elói, apanhando algumas notas da carteira, que extraíra nesse momento do bolso. Mónica aceitou o dinheiro, guardou-o na sua própria mala e disse:
- Obrigada, Pai! Agora, se me dás  licença, vou fazer as malas, e o Lúcio vai ajudar-me. Ainda bem que viemos no carro do pai dele, emprestado! Lúcio, eu posso adiantar as minhas férias, se fôr preciso, e ir contigo, se quiseres!
- Depois decidiremos isso, querida! Agora, Senhor Elói, quero informá-lo desde já, que vamos, em primeiro lugar, falar com os meus pais! Depois mantê-lo-emos ao corrente do local para onde iremos ambos, e o que faremos!
- Certo!
-Mas um aborto está, absolutamente, fora de questão! Eu e a Mónica tínhamos acabado de falar nisso, antes de cá vir, e somos unânimes, quanto a esse assunto: Já que esse filho vem a caminho, que seja bem-vindo! Ambos o desejamos! E quanto à Dona Lobélia, se não se arrepender rapidamente dessa sua atitude, certamente que, depois, vai ser tarde demais!
- E porque teria eu que me arrepender do que digo e penso? Mantenho a minha opinião! Uma filha solteira grávida é uma vergonha na minha casa!
-Que pecado, fazer tal coisa à sua própria filha única! Uma mãe, que é sempre a pessoa que se espera que nos deva amar mais que tudo na vida, e proteger-nos! Que classe de mãe é você? Que insensibilidade! Só pensa no seu umbigo! Não se dá nem sequer conta do mal que já lhe está causando! A Mónica até se sente mal! Por sua causa! Um dia, os remorsos vão dar cabo de si! Vai ver!
Mónica estava efectivamente aflita, tremendo, e a ponto de quase desmaiar, devido a ter o sistema nervoso descontrolado por causa da situação. Lúcio amparou-a, ajudando-a a estender-se no sofá maior da sala, enquanto o pai foi, muito rapidamente, buscar um copo de água com açúcar, e uma toalha humedecida, que Lúcio começou a passar-lhe pelo rosto.
Ditas estas palavras indignadas, do rapaz, Lobélia olhou-o altivamente, sem lhe responder sequer. E, saindo da sala onde estavam todos, meteu-se no seu próprio quarto, batendo fortemente com a porta, sentindo-se derrotada, impotente e furiosa.
 Enquanto Mónica bebia a água com açúcar que o pai lhe trouxera prontamente, este foi buscar a uma gaveta do móvel da sala, o aparelho de medir a tensão arterial, que ali arrecadava, usualmente. Após medir a tensão da filha, e verificar que estava um pouco baixa, recomendou-lhe, carinhosamente:
- Não ligues à tua mãe! Verás que isso tudo logo lhe passa! Estou cá eu, para a manter nos eixos! Se quiseres, ficas aqui! Senão, vocês é que sabem! Mas, peço-vos para eu ser mantido ao corrente da situação, ok?
-Ok, Pai! A minha decisão está tomada! Eu vou com o Lúcio, para onde pudermos encontrar sítio onde pernoitar! Necessito ficar a sós com ele! Agora, preciso separar algumas coisas para levar, se não te importas…
- Claro, filha! Vai lá, então! Que hora esta, meu Deus!
Entretanto, Lúcio e Mónica foram meter, em malas e sacos, tudo o que ela achou necessário levar.
Antes de sair, despediu-se do pai, pedindo-lhe que guardasse tudo o que ela agora não podia levar, e não deixasse a mãe jogar as suas coisas fora, debaixo do orgulho e da ira. O pai prometeu-lho e, fechando ele mesmo à chave a porta do quarto da jovem, entregou-lhe a chave para a mão. Era a garantia, para ela, de que tudo o que ali ficava seria respeitado. Então, despediu-se dela com um abraço.
 Rumaram, de seguida, a casa da família de Lúcio. Um ambiente e um acolhimento bem diferentes os aguardavam ali.
-Mãe! Pai! Trouxe comigo a Mónica! Precisamos ambos de ter uma conversa muito importante convosco!
- Olá, Mónica! Olá Lúcio! Entrem! Venham cá para a sala! - Respondeu Lisete, mãe de Lúcio, com um sorriso, cumprimentando tanto Mónica, como o próprio filho.
Quando estavam já bem sentados, junto com os pais dele, Lúcio expôs-lhes claramente a situação dele e de Mónica, assim como tudo o que acabara de ocorrer em casa de sua noiva, sem nada omitir.
- Mas isso é monstruoso! - Exclamou Josué, pai de Lúcio, escandalizado. – Como é que a tua mãe pôde tratar-te assim, querida?
-Por nossa parte, e penso que o Josué não me desmente, podes contar connosco! O que pensam vocês fazer agora, Lúcio? - Perguntou a mãe dele.
-Mãe e Pai: A Mónica precisa de um lugar onde ficar, não só para pernoitar hoje, mas também, onde morar! A mãe expulsou-a de casa! O pai opôs-se a essa sua atitude, mas nem a Mónica, nem eu, queremos, já, que ela fique lá, pois ela não se sente tranquila, nem segura, naquele ambiente! Iria pôr em risco a gravidez, a saúde dela e a vida do bebé, se lá ficasse, com a mãe a implicar com ela.
- Tens razão, filho! E tu, Mónica, fazes bem de sair daquele ambiente! Além disso, irias ter um dia-a-dia, na tua gravidez, de nervosismo e tensões que não te iriam fazer nada bem! A tua mãe está a ser intransigente e preconceituosa ao máximo! Esses preconceitos são completamente absurdos e obsoletos! - Reagiu Lisete.  
Lúcio prosseguiu:
-Eu não a vou deixar só! Pensei em trazê-la esta noite para cá, se vocês estiverem de acordo, e que ela fique aqui comigo, até eu voltar para Évora! Entretanto, vamos tentar arranjar outro lugar, pois ela não vai mesmo voltar para casa dos pais! Nem eu próprio deixo! Nem que a venham cá buscar!
-Muito bem! Nós também não deixamos que ninguém faça nada contra ti, Mónica! Podes contar connosco, querida! – Prosseguiu Josué, enquanto Lisete concordava com um gesto de cabeça.
-A Mónica vai precisar de um lugar onde morar, e para onde levar o nosso filho, assim que nasça! O pai dela está de acordo, e pediu para o informarmos do que decidíssemos, depois de falar convosco! Entretanto, queremos que vocês saibam que assim que eu termine o meu estágio, iremos casar! Um simples casamento civil, nada mais! Em vez de gastar balúrdios, num casamento caro e cerimonioso, aproveitamos o dinheiro de que disporemos, para organizar a nossa vida a dois, e também preparar tudo para a vinda do bebé!
O Senhor Josué, olhando benevolamente para Mónica, e depois, para o seu próprio filho, disse:
-Está muito bem pensado! Vocês podem ficar juntos aqui, até tu voltares para Évora! Mónica: por nós, podes ficar aqui connosco, mesmo na ausência do Lúcio, se quiseres! Se vês que não estás à vontade connosco, compreenderemos, e se preferires arranjar o teu próprio espaço, estaremos aqui, na mesma, para o que necessitares! Só tens que telefonar, mandar uma mensagem, e ajudar-te-emos no que fôr preciso! Ou podes, mesmo, vir cá, quando quiseres! Estaremos em contacto constante contigo, e ao teu dispôr! Para já, é uma alegria que nos dão, tu e ele, de sermos em breve avós!
- Obrigada! O meu pai também nos quer ajudar! - Respondeu Mónica com um sorriso fraco, sentindo-se sem forças de novo. Os nervos e o cansaço que a acometiam eram evidentes.
- Óptimo! -Respondeu Josué.
-A Mónica precisa de ser vista por um médico! Ela sentiu-se mal, há bocado! - Lembrou subitamente Lúcio, ao ver a cara de cansaço e a palidez de sua noiva.
- Podemos pedir, imediatamente, uma consulta domiciliária! Quem é o teu médico, Mónica? - Interveio, solicitamente, Dona Lisete.
-É a Doutora Marília Fontinha…
- Ela dá consultas a domicílio?
-Penso que ainda o faz, sim!
 - Mónica, tens o contacto da Doutora? - Interessou-se Lúcio.
-Sim! Está aqui, no meu livro de endereços e telefones, deixa-me cá verificar… Sim, cá está! -respondeu a jovem, remexendo na sua mala.
De imediato, trataram de contactar com a referida médica de família.
Pouco depois, esta última estava observando Mónica, na privacidade do quarto de Lúcio, onde só se encontravam os dois jovens, e decretou que ela devia fazer exames, e descansar o mais possível, durante o fim-de-semana prolongado que tinham pela frente. E que tomasse o medicamento que ela lhe prescrevia para a tensão arterial, assim como vitaminas. Se houvesse algum problema, Mónica não deveria hesitar em contactá-la, fosse a que horas fosse. A Doutora Marília estava, também ela, escandalizada com a Dona Lobélia, e disse nunca esperar um comportamento desses, da parte dessa senhora, que também era sua paciente.
Depois da médica ir embora, e de Lúcio ir prontamente a uma farmácia, aviar a medicação prescrita para a sua noiva, Josué convidou os jovens para irem, com ele e sua esposa, jantar fora, para desanuviarem um pouco. Assim fizeram.
Nessa noite, e nas seguintes, durante cerca de uma semana inteira, comeram e dormiram ali, e de dia, procuraram uma habitação. As rendas eram pouco acessíveis. Finalmente, foi uma amiga e colega de Mónica, do jornal,  a Luísa, que se lembrou de lhes propôr que dividissem com ela o apartamento onde vivia. Assim, nenhuma das duas estaria só, sairiam todos a ganhar com isso, e Lúcio poderia também ficar com ela, sempre que viesse passar uns dias a casa. Os pais de Lúcio e o próprio pai de Mónica poderiam visitá-la, sem problemas, as vezes que quisessem. Mónica havia cumprido com o prometido a seu pai, e ele ficara mais aliviado ao saber que a situação estava a resolver-se. Entre ela e Lúcio, com o carro do pai dele, que os ajudou, foram buscar os restantes pertences de Mónica, que haviam permanecido intocados, no quarto trancado dela. A mãe, sabendo que eles lá iam, saíra, para não os encarar. O seu impiedoso orgulho, e os preconceitos de uma educação demasiado severa e cheia de falsos moralismos, estavam cavando um fosso intransponível entre ela e Mónica. E também dilacerando a relação com o próprio marido. 
Passaram os meses... Lúcio, empenhado mais que tudo, em terminar airosamente o seu estágio, ia e vinha sempre que podia, e ficava com Mónica, todo o tempo que lhe era possível, ainda que também visitassem ambos a casa dos pais dele, e que Mónica tentasse também manter-se em contacto com o pai... Tentara voltar a falar com a própria mãe, por mais do que uma vez, sem sucesso, pois D. Lobélia continuava irredutível... Esta deixara de frequentar a sua comunidade religiosa, depois de ter sido visitada em casa pelo próprio padre Felício. Isto aconteceu após a denúncia de outras pessoas, que depressa haviam sabido do sucedido, escandalizadas com aquele seu comportamento impróprio de uma cristã católica. O padre a admoestara a arrepender-se e pedir perdão a Deus, por seu comportamento em família, e por escandalizar a comunidade, declarando-a, dali em diante, em disciplina, por algum tempo, e exortando-a severamente. Mesmo assim, o seu orgulho continuava a prevalecer.
Lúcio chegou, certa tarde, de Évora, expectante, sabendo por uma mensagem de Mónica, no telemóvel, que esta estava indo para o hospital, já prestes a ter o bebé...
Ele e Luísa, depois de ele avisar também os seus pais, e o pai de Mónica, estavam os dois na sala de espera da recepção do hospital, aguardando notícias, da parte de funcionários dessa secção do hospital, os quais tentavam entrar em contacto com a secção de maternidade, para saber quando poderiam deixar subir visitas para a jovem.
Finalmente, perto da hora de jantar, que coincidia com a hora das visitas, Lúcio conseguiu ir ver Mónica, sabendo, desde já, que ela já dera à luz uma menina. Eufórico, subiu no primeiro elevador disponível, e procurou, na secção de maternidade, pelo quarto onde a sua noiva se encontrava.
Ao entrar no compartimento, finalmente, deu com Mónica deitada na cama, perto da janela. Ao lado dessa cama, no berço, estava a menina, a sua filhinha, com quem ele ia agora travar conhecimento, vendo-a por primeira vez.
Dividido entre a vontade de se debruçar sobre a sua filhinha, ou abraçar Mónica, acabou por, primeiro, apertar em seus braços a sua noiva, e beijá-la ansiosamente. Mónica suspirou, feliz e cansada, entre os seus braços, durante um longo momento, devido à saudade e à necessidade de sentir o conforto dos braços de Lúcio, e dos seus beijos. Então, mais calmamente, Lúcio desviou o carrinho onde estava o tabuleiro com o jantar de Mónica, que ainda não tinha conseguido erguer-se para comer. Mónica, sentada na cama, foi-se erguendo devagar, amparada por Lúcio e, já de pé, tomou a menina em seus braços, depositando-a cuidadosamente nos braços de Lúcio.
-Que nome vamos dar à nossa princesinha, amor?- perguntou Lúcio, olhando embevecido para a filhinha tão pequenina e tão frágil, como se fosse uma bonequinha, que o olhava curiosa, caladinha.
-Se estiveres de acordo, pensei em chamar-lhe Lara!
-Lindo nome! Tens bom gosto, querida! Mas, onde foste buscar esse nome tão invulgar?
-Lembras-te do filme “Doutor Jivago”? A apaixonada dele chamava-se Lara, era loira, e era linda!
-Sim, lembro! Realmente, tinha um nome belo, e era interpretada por uma lindíssima estrela de cinema: Julie Christie!
Sentado numa cadeira ao lado da cama, manteve a menina no colo, enquanto Mónica comia conforme conseguia, o jantar, que apanhara já do carrinho, sentada também ela, numa outra cadeira, junto à pequena mesa disponível aos pés da cama.
- A Luísa está lá em baixo, à espera, para ver se consegue vir cá acima também. E os meus pais estão aguardando notícias... –lembrou-se Lúcio, de repente.
-Então, é melhor desceres um pouco, e depois voltas, só para deixares a Luísa vir ver-nos, está bem, amor? Vou ficar com pena de teres de ir para baixo, mas eles, aqui, não deixam fazer de outra forma...
-Certo, querida! Vou para baixo, para dar um pouco a vez à Luisa, e entretanto, vou telefonar aos meus pais, e ao teu, para lhes dar a novidade. Depois, teremos de combinar com eles, para a visita de amanhã também! Vá! Até já, minhas princesas!
Lúcio pousou com mil cuidados a menina no berço, depois de lhe dar vários beijinhos ao de leve. E, dando um beijo suave no rosto de Mónica que estava a comer, deixou-as com um sorriso. Saíu dali depressa, indo ter com Luísa, e passando-lhe a vez de visita, combinando com ela, para depois voltar ele lá acima, a despedir-se de Mónica.
Passaram-se cinco dias, e Mónica já estava de regresso, com a pequenina Lara, ao apartamento dividido com Luísa. Os pais de Lúcio haviam-na visitado várias vezes nesses dias, assim como Lúcio e o próprio pai de Mónica. D. Lobélia era, ainda, a grande ausente. Vítima do orgulho, que dificilmente controlava, e dos remorsos, pela forma estúpida e cruel com que tratara a filha, não se atrevera a ir visitá-la. Cuidava que Mónica não lhe perdoaria pela sua atitude. Confessara-se ao padre Felício, arrependida, chorando. Este exortara-a, agora de modo mais afável, aconselhando-a a ir visitar a filha, e pedir-lhe também a ela perdão, afim de se reconciliarem ambas.
Entretanto, Lúcio, já com o estágio terminado, acabara de, numa dessas tardes, a seguir ao regresso a casa de suas amadas, entrar em casa eufórico, pois conseguira arranjar um trabalho que, embora ainda não fosse aquilo que almejava, lhes iria facilitar um pouco a vida, dali em diante.
-Querida! – Havia dito ele, abraçando Mónica, todo sorridente, vamos poder procurar um apartamento ou uma casinha para nós, a partir de hoje! Acabo de arranjar um trabalho!
Luísa estava presente e sorrindo, brincou:
- Já me querem deixar sozinha, hã? - E prosseguiu: -Mas eu quero continuar a estar em contacto convosco! Olhem lá, não esqueçam que eu quero ser madrinha da menina!
-Mas claro que sim! Teremos também, de lhe arranjar um padrinho! Mas, desde já, fica combinado e prometido: serás tu a madrinha da Lara!
-Podes vir visitar-nos sempre que queiras, Luísa! Tu, para nós, és da família!
-Obrigada! É bom ouvir isso! Vocês, para mim, também são da família! Vou ter saudades, mesmo assim, quando sairem daqui!
-Vamos ver se conseguimos fazer tudo junto: o nosso casamento, mais o baptismo da Lara! - Continuou Mónica.
-Isso é que era uma ideia fenomenal para pôr em prática! - Respondeu Luísa.
Assim sucedeu, poucos meses depois: Mónica e Lúcio foram viver para uma casinha que alugaram, com um pequenino pátio ajardinado à frente, e celebraram o seu casamento e o batismo da sua filhinha no mesmo dia, numa cerimónia discreta. Entretanto, D. Lobélia, vencendo finalmente o seu orgulho, humildou-se a pedir perdão aos seus familiares, em primeiro lugar a Mónica e Lúcio. Mónica, que amava a mãe, perdoou-a de bom coração. Passaram, desde aí, a ser uma família feliz.

FIM


Nely, 
Outubro de 2017
(Do meu livro de Contos "Novo Rumo")